Para uma mudança do paradigma: o ensino superior a Nordeste.

A coesão territorial está na boca do mundo. Hoje, assistimos a uma renhida luta sobre quem está mais inquieto sobre como vivem aqueles que para lá estão. Ora é a criação do Ministério da Coesão Territorial ora é a descentralização do Conselho de Ministros pelo interior. Esquece-se, o poder central, que é o ensino superior, nomeadamente universidades e politécnicos, que terão um papel fundamental na valorização do território.

Nordeste a números. Segundo dados do DGEEC1, estão inscritos no ensino superior, para o período de 2018/19, 385.247 alunos, sendo que apenas 14.809 estão no Nordeste. Apenas 3,8%. Este é o reflexo de uma política desigual e de uma aposta pelo fim dos serviços no interior. As duas instituições de ensino superior a Nordeste apresentam um comportamento diferente. Se por um lado, o Instituto Politécnico de Bragança (IPB) sofreu com a crise financeira, mas tem vindo a recuperar o número de alunos, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), por outro lado, mantém uma tendência negativa no número de alunos inscritos no 1º e 2º Ciclos.

Gráfico 1 – Alunos inscritos no Ensino Superior para o Instituto Politécnico de Bragança.

Fonte: Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência

Gráfico 2 – Alunos inscritos no Ensino Superior para a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Fonte: Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência

Ao analisarmos especificamente o 2º Ciclo, percebemos que existe uma tendência negativa na captação de estudantes para prosseguirem os estudos pós-graduados. Esta tendência, mais acentuada a partir de 2015/16, refletir-se-á na ausência da especialização de investigadores científicos na região e contribui para a diminuição dos membros nas unidades I&D da UTAD, o que leva a que estas não consigam captar financiamento.

Gráfico 3 – Alunos inscritos no 2º e 3º Ciclos na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Fonte: Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência

A crise económica que assolou Portugal, e a Europa e o Mundo, bipolarizou ainda mais o país em duas macrorregiões: Lisboa e Porto. A população que não consegue fazer frente à crise económica é obrigada a migrar para outras regiões, deixando o país ainda mais desigual.

Habitantes2

População jovem

(0-14 anos)3

Área total

Área Metropolitana de Lisboa

29,1%

29,5%

3015,24 km2

Área Metropolitana do Porto

17,6%

17,9%

2040 km2

Total

46,7%

47,4%

5055,24 km2 (5%4)

Esta bipolarização não só demonstra a desigualdade territorial do país, como mostra que a existência de duas macrorregiões se reflete, também, no investimento nas instituições de ensino superior. Os resultados da Avaliação de Unidades I&D 2017/2018 reflete a desigualdade que há tanto vimos mostrando: só as universidades de Lisboa, Porto e Coimbra tiveram 51 unidades a atingir um financiamento de 1,5 Milhões de Euros. De todos os centros I&D da UTAD e do IPB, apenas um em cada instituição obteve financiamento equivalente. A questão que se coloca é como é que as restantes unidades têm capacidade para competir e alcançar os resultados que a FCT exige?

A resposta é simples: não têm. E não tendo, não conseguem competir5 entre si. A crise económica trouxe ao de cima uma realidade que há muito era denunciada. A austeridade acarretou a falta de verbas que permitissem renovar a estrutura das universidades e o corpo docente.

Uma mudança do paradigma.

A universidade de hoje tornou-se num laboratório de tendência corporativista, empresarial e neoliberal. As instituições de ensino superior são hoje um poço de precariedade e injustiças. Os cientistas não veem as suas atividades de investigação profissionalizadas, continuando com bolsas precárias. Os docentes são, maioritariamente, contratados através de mecanismos de precariedade, como o Regulamento de Contratação do Pessoal Docente Especialmente Contratado, que perpetua o desregulamento do sistema de ensino e a desestabilização dos departamentos, centros de investigação e cursos.

O comunicado de 6 de março de 2018 do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, onde afiram que “a missão das universidades pressupõe uma rotação elevada dos seus investigadores e bolseiro”, espelha toda a precariedade do sistema de ensino superior e acentua as desigualdades do dia-a-dias nas instituições.

As instituições de ensino superior e as unidades de investigação desenvolvem as suas atividades recorrendo ao “exército” de bolseiros de investigação criado pela FCT que dá cobrimento ao já velho corpo docente que é, muitas vezes, um entrave à legalização da contratação dos recentes doutorados. Esse corpo velho docente, as instituições e as unidades de investigação não podem apagar o facto de Portugal ocupar a 31ª posição6 relativamente à quantidade de artigos publicados (num universo de 239) com base na precariedade.

Urgem medidas fortes na implementação de uma política para o ensino superior que regule o emprego científico e valorize a inter-relação das instituições, investindo mais naquelas que têm maior influência no território, nomeadamente na contribuição para a fixação populacional e para o combate às assimetrias regionais. As instituições devem cooperar entre si e não competir entre si. É necessário um reforço nos cursos que estão intimamente relacionados com territórios. A título de exemplo, os cursos de Engenharia Florestal e o curso de Arquitetura Paisagista da UTAD têm tido dificuldades em atrair estudantes. Estamos a falar de áreas estratégicas do Alto Tâmega, Douro e Terras de Trás-os-Montes. As instituições de ensino a Nordeste têm um papel determinante no desenvolvimento social e científico. Devem ser criadas bolsas de ensino que fomentem o propósito de unir a ciência aos territórios, incentivando o investimento em unidades de I&D e o fim da contratação precária.

1 Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (https://www.dgeec.mec.pt/np4/home)

2 Dados INE

3 Dados Pordata

4 O valor em percentagem é importante para mostrar que 46,7% da população habita 5% do território (Carta Administrativa Oficial de Portugal, 2016)

5 Esta questão da competição das universidades entre si daria um artigo mais extenso, mas o propósito deste não é esse. A neoliberalização do sistema de ensino provocou uma tendência empresarial e capitalista da ciência, deixando de lado a disseminação do conhecimento para a comunidade.

6 Fonte: SCImago Journal Rank (https://www.scimagojr.com/countryrank.php)

Outros artigos deste autor >

Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)

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