O ensino superior a Nordeste

€ 11 651 000 000,00. Esta é a quantia que os governos PSD-CDS e PS injetaram na banca portuguesa privada. 35 anos. 35 anos de ensino superior gratuito. O ensino superior gratuito não pode ficar refém das consecutivas injeções de milhares de milhões de euros na banca capitalista. Não pode ficar refém das consequentes más gestões de um grupo de banqueiros.
A Constituição da República Portuguesa refere que “1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar; 2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino” (Artigo 74.º). Pode ler-se, assim, que mesmo o ensino superior deve ser de caráter universal e gratuito.
Temos assistido a várias iniciativas dos vários quadrantes relativamente ao ensino superior no interior, mas pouco se tem feito.

Desde 1978, o número de alunos inscritos no ensino superior mais que quadruplicou1. A queda do regime ditatorial trouxe uma maior consciencialização sobre a importância da educação, do emprego científico, dos investimentos na ciência e da cultura e políticas científicas.
Com o passar dos anos, as grandes desigualdades voltaram a instalar-se. Dos 372.753 alunos matriculados no ensino superior, mais de metade (252.869) estão nas áreas metropolitanas do Porto, Coimbra e Lisboa. Esta desigualdade territorial deve-se ao facto de grande parte dos estabelecimentos de ensino se situarem nas três grandes áreas metropolitanas (172 dos 290 equipamentos2).

Em Terras de Trás-os-Montes e Douro, apenas 11,7% e 10,3% da população, respetivamente, frequentou o ensino superior. Números bem longe dos quase 15% da área metropolitana do Porto, dos quase 16% da região de Coimbra e, imagine-se, dos quase 20% da área metropolitana de Lisboa3.

Que medidas têm vindo a ser tomadas?

Uma das medidas do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior foi cortar, de forma cega, o número de vagas nas instituições de ensino superior de Lisboa e do Porto para fazer com que os alunos optassem por outras instituições fora destas duas grandes áreas. Esta medida não vem trazer alternativas estruturais, pois aquilo que vem fomentar é, por exemplo, o acesso ao ensino superior privado.
Recentemente, o PSD propôs a atribuição de bolsas Erasmus para que os alunos do litoral pudessem estudar um semestre no interior. Esta questão já foi fortemente abordada por um artigo recente (colocar link https://interiordoavesso.pt/rui-lino/a-irreal-proposta-do-psd-para-erasmus-no-interior-do-pais/) nesta mesma plataforma. Como é referido, trata-se apenas de uma “medida paliativa”. Mais de metade do orçamento para atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) estão destinados às áreas de Lisboa e Porto, são as unidades de I&D de Lisboa e Porto que detém a maior fatia do orçamento para financiamento para bolsas e subsídios à formação avançada, infraestruturas de investigação e projetos de I&D. Ora, nenhum estudante que está no litoral, numa instituição de tem um financiamento que o alicia a permanecer no litoral, não vai querer sair desse meio, sempre à espera dos aliciamentos da ciência.
Outra questão importante, e que pode estar relacionada com o corte das vagas em Lisboa e no Porto, é a questão das residências universitárias. É preciso que as instituições canalizem parte das receitas para a construção de residências universitárias. A falta de residências afasta os alunos das instituições do interior.
A par, a deslocação de um aluno de Lisboa para Vila Real e Bragança torna-se um flagelo. Não existem condições de mobilidade para que um estudante saia de um grande centro urbano para vir estudar para uma instituição no interior.

E que reais medidas precisa o ensino superior no interior?

Fim das propinas. Um dos grandes avanços da democracia foi a medida do Bloco de Esquerda que prevê a fixação do valor das propinas nos € 856,00.
Apoiar as unidades I&D. Apoiar e fortalecer financeiramente as unidades de I&D nas instituições do interior para a criação de projetos de investigação e criar ambição científica para que os estudantes sejam aliciados a deslocarem-se para o interior.
Oferta de cursos. A oferta formativa não pode ficar refém das necessidades regionais e as instituições do interior devem oferecer um espetro mais alargado de cursos, que podem funcionar como alavancas para uma maior coesão.
Contratação de docentes. A constante procura de contratação precária de pessoal docente através do mecanismo da contratação de Pessoal Docente Especialmente Contratado traz instabilidade à instituição, não promove a criação de emprego, não promove a investigação e, desta forma, não promove o desenvolvimento científico na instituição.

1 FFMS (2018). Alunos matriculados no ensino superior: total e por sexo. Lisboa: PORDATA.
2 FFMS (2018). Estabelecimentos de ensino superior: total e por subsistema de ensino. Lisboa: PORDATA.
3 FFMS (2018). População residente com 15 e mais anos por nível de escolaridade completo mais elevado segundo os Censos (%) Lisboa: PORDATA.

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Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)

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Desde sempre ouço dizer, a expressão espanhola, “No creo em brujas pero que las hay las hay!” traduzida: “Não acredito em bruxas, mas que as há, há!”; porém, o melhor equivalente em português, pessoalmente, creio ser a expressão, “Não é merda, mas cagou-a o cão!”. E esta acredito que seja, das expressões populares, a que melhor se aplica ao líder da extrema-direita (sem prejuízo para qualquer canídeo, é claro!). 
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