Bragança é, indiscutivelmente, o distrito mais interiorizado de Portugal. A interioridade dói. A interioridade pesa. Dói e pesa àqueles que foram enganados. Dói e pesa àqueles a quem prometeram crescimento e desenvolvimento regional. Não aconteceu. Fomos esquecidos.
A interioridade começou em 1992. Estávamos sob governo de Cavaco Silva, do PSD, quando começou o desmantelamento da ligação do Tua a Bragança. Ano após ano, o desinvestimento ferroviário era visível a todos. Acidentes atrás de acidentes. O acidente na Brunheda, em 2008, ditou um fim que estava premeditado.
No ano seguinte, em 2009, o deputado Mota Andrade, do Partido Socialista, eleito pelo distrito de Bragança, afirmava que o transporte ferroviário não era “rentável” para o distrito. Dizia ele que o desenvolvimento e o crescimento da região não se faziam pelo transporte ferroviário, mas sim pelo transporte rodoviário. Foram precisos 30 anos para a ligação IP4 Matosinhos-Espanha estar completa. Foram precisos 7 anos para que a ligação por autoestrada do interior ao litoral estivesse completa. São precisos sempre muitos anos para que o interior não fique esquecido.
Ferrovia sinónimo de crescimento e desenvolvimento
A reativação da ligação ferroviária Tua-Bragança (com ligação a Sanábria) trará benefícios económicos, demográficos e ambientais.
- A economia do distrito beneficiaria de um aumento da internacionalização dos negócios do distrito e o aumento das exportações diretas do distrito para a Europa.
- Os efeitos da ferrovia na demografia teriam impacto na fixação da população no interior, pois iríamos assistir a um aumento do emprego e da coesão territorial, porque a ferrovia une as populações. Não só aqueles que são mais vulneráveis teriam uma ligação entre os concelhos que reduziria o impacto nas deslocações entre hospitais e serviços no distrito, como os estudantes teriam, assim, uma ligação que os permitisse fazer deslocações mais eficazes dentro do distrito e, desta forma, fixarem-se no interior.
- Em termos ambientais, a ferrovia representaria uma maior capacidade no volume das cargas, o que representaria uma redução do consumo de energia e redução no impacto nos efeitos dos gases com efeito de estufa. 70% desses gases são provocados pela energia, que incluem os transportes rodoviários. A ferrovia tem impacto, também, na redução do número de acidentes rodoviários (uma vez que estaríamos a promover deslocações ferroviárias).
Bragança e a pobreza energética
É necessário um programa sério que pense nas populações. Nas populações do distrito de Bragança. Não podemos aceitar as “medidas compensatórias” que apenas mascaram a falta de investimento em infraestruturas que não servem as populações e que apenas beneficiam as regiões litorais. É necessário exigir ao poder central medidas de redução do preço da energia e o financiamento na reabilitação das casas para as tornar mais eficientes em termos térmicos.
Aposta nos serviços públicos de proximidade
A nossa região é aquela onde existe maior disparidade relativamente às regiões litorais, apresentando índices de coesão mais baixos. É insustentável que os grandes equipamentos e serviços coletivos básicos de qualidade estejam centralizados.
Assistiu-se à privatização dos CTT e, como seria expectável, ao encerramento das estações do CTT. Foram vários os rumores que ditaram o encerramento de tantas e mais estações do CTT. É imperativo que se renacionalize de imediato os CTT e, a curto prazo, se renacionalize todos os serviços que eram públicos e foram privatizados pelos governos de PS e PSD/CDS, como a EDP, REN, que eram estratégicos para a economia e para as populações.
Assistimos ao fecho de tantas escolas em Bragança, Vinhais, Vimioso, Mogadouro, Miranda do Douro e Freixo de Espada à Cinta. Bragança foi dos distritos que mais sofreu com o encerramento de tribunais e a transformação dos tribunais de Carrazeda e Bragança em secções de proximidade. É necessário a reinstauração de plenas valências. A perda de valências nos hospitais do distrito tem vindo a aumentar desde as medidas do memorando da troika e o desinvestimento tem levado a que os profissionais fujam dos hospitais públicos para os hospitais privados. É inconcebível que os mais idosos tenham de se deslocar de um concelho para outro, porque não existem todas as valências em todos os hospitais (nunca esquecendo os custos que uma deslocação Mirandela-Bragança acarreta para os mais necessitados).
Não nos sentimos representados. Não sentimos que aqueles que foram eleitos para debaterem na Assembleia da República os problemas da região o façam. Sentimos, sim, que o fosso interior-litoral é cada vez maior. Não podemos perpetuar a inação dos deputados que foram eleitos para servirem o povo. São eles que devem servir o povo e não servirem-se do povo.
Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)