O património é um problema crónico para cá dos Montes

Andamos uma vida a falar sobre os mesmos problemas. Problemas crónicos, dizem…. Há muitos por aqui. Desta vez, o património. Muitas vezes me questiono onde é que Portugal errou para permitir que tenhamos tantos presidentes de câmara e vereadores que olham para o património como uma questão secundária. Quem os quer ver a falar de património e desenvolvimento regional é nas campanhas. Até a estrada do cemitério a prometem arranjar. Só que não!

Pasmem-se. A Câmara de Chaves colocou em hipótese a abertura da ponte de Trajano, monumento nacional desde 1910, ao tráfego rodoviário, o que iria acelerar a sua degradação. Podemos falar de um património único para Chaves, Portugal e para a Península Ibérica. Felizmente, os Flavienses foram resilientes e não permitiram tal atrocidade.

No mesmo sentido, a falta de respeito pelo património natural, pela biodiversidade e ecossistemas, bem como pelas comunidades que habitam os territórios, leva a que o autarca de Montalegre promova a prospeção de lítio em Covas do Barroso, pondo os interesses económicos à frente dos interesses da população maquilhando este negócio com a promessa do desenvolvimento do território e desenvolvimento regional, cuja riqueza é apenas produzida para as empresas exploradoras e não para os territórios explorados. Veja-se o caso do Parque Natural do vale do Tua que até hoje ainda não contribuiu em nada para o desenvolvimento regional, para a proteção do património cultural, nem tão pouco para o desenvolvimento económico e social da região, cujas atividades turísticas prometidas e subsidiadas pelo Estado não existem.

A arrogância política e o desprezo pelo património cultural de Trás-os-Montes e Alto Douro atinge o seu auge, quando, no ano de 2020, o autarca de Vila Real, Rui Santos, propõe à Assembleia Municipal a retirada de parte da cidade de Vila Real da Zona Especial de Proteção do Alto Douro Vinhateiro. Entenda-se que a paisagem do Alto Douro Vinhateiro é mais do que uma paisagem para os turistas verem passar. É o reflexo e o resultado do trabalho, por vezes sub-humano, de mulheres e homens que a construíram, a transformaram e a mantêm. Rui Santos, hoje, menospreza-a. O Alto Douro Vinhateiro além de ser um património de toda a humanidade é a paisagem que representa todos os transmontanos e alto-durienses naquilo que é a sua essência. A responsabilidade da autarquia de Vila Real pela importância que ocupa no distrito deve ser a preservação e a defesa do património cultural e aproveitar que as regras da Zona Especial de Proteção contribuam para uma melhoria da qualidade de vida dos vila-realenses, não colocando os interesses dos lobbies à frente dos interesses das populações. 

Nada disto me espanta, quando o presidente Rui Santos autorizou a demolição da panificadora de Vila Real, uma obra de Nadir Afonso. Uma obra e a única obra no concelho de Vila Real representando o modernismo português para construir, imagine-se, um parque de estacionamento! É o grau 0 da ignorância político-cultural a que chegámos.

Vila Real pode ainda orgulhar-se de ver incluído na lista de património mundial imaterial o barro negro de Bisalhães. A produção desta forma secular de trabalhar o barro encontra-se, atualmente, relegada aos interesses do grande capital próximo à gestão autárquica. Rui Santos promove na sua autarquia de forma muitas vezes incompreensível empresas que em pouco ou nada representam a memória, a história e a tradição do barro negro de Bisalhães. É da responsabilidade da Câmara Municipal, que em boa hora promoveu a inscrição do barro negro na UNESCO, apoiar, promover e valorizar os artesãos, que na freguesia de Bisalhães, trabalham diariamente para manter viva aquela que é uma forma e um modo de vida dos trasmontanos.  

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Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)

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