Torna-se assim evidente que a estratégia para o desenvolvimento regional sustentável, sobretudo na área do turismo, não está a produzir os efeitos necessários para as regiões do Douro e Trás-os-Montes, com o propósito do combate às assimetrias regionais.
O desenvolvimento do turismo, nomeadamente do turismo cultural, é fundamental para a dinamização dos territórios e combater a desertificação das regiões.
Se o foco incidir na análise na oferta museológica na região, percebe-se que a distribuição está em consonância com a política de investimento nas regiões litorais e contínuo desinvestimento nas regiões consideradas de baixa-densidade. Segundo o ICOM, “[o] museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite”3. Considerando a definição de museu pelo ICOM, descrita acima,
Olhando para as estatísticas mais recentes, deparamo-nos com um panorama em que o investimento em equipamentos museológicos é aplicado às regiões litorais e, neste caso, na região do Grande Porto (comparação apenas com a região Norte: 24% Grande Porto, 14,7% Douro e 13,7% Trás-os-Montes)4.
Esta disparidade de equipamentos ao serviço da sociedade é o reflexo das assimetrias territoriais, concentrando o investimento da cultura a Norte no Grande Porto em detrimento das outras regiões.
Se não vejamos5: em Alto Trás-os-Montes só usufruem das estruturas museológicas cerca de 4,6% de visitantes nacionais e 6,6% de visitantes estrangeiros (sendo que 90% das visitas se concentram em Bragança); no Douro só usufruem das estruturas museológicas cerca de 10,3% de visitantes nacionais e 12,4% de visitantes estrangeiros (sendo que 80% das visitas se concentram no eixo Lamego-Régua- Vila Real).
Sendo um museu uma estrutura que deve estar ao serviço da comunidade, os dados apurados pelo INE revelam uma fraca adesão da população nacional na procura destas estruturas museológicas.
O afastamento das pessoas dos museus deve-se em parte à ausência de uma política museológica nacional, mas também a uma ausência de estratégia de política museológica em termos regionais.
As estratégias de desenvolvimento promovidas pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, da Direção Regional de Cultura do Norte e também pelas Comissões Intermunicipais concentram esforços no desenvolvimento de atividades programáticas para dar resposta ao aumento da procura turística, ao invés de investirem numa estratégia concertada que procure promover o combate à sazonalidade, à criação de emprego e fixação de população.
Como referido, o panorama dos dados apresentado pelo INE revela um afastamento, não só das comunidades das instituições museológicas, como um afastamento dessas mesmas comunidades da cultura em geral. Na região do Douro e Trás-os-Montes, existem diversos museus (públicos e privados), de diversas dimensões e tutelas, que devem cumprir a missão fundamental das instituições museológicas, ou seja, «estar ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento». O afastamento das comunidades aos espaços museológicos deve-se, em parte, ao sistema que não cria condições atrativas à cultura e aos próprios museus cujas opções programáticas definidas não servem a comunidade.
O museu tem como funções o estudo e a investigação, a conservação e exposição de bens culturais e a educação. Entendemos que a educação desenvolvida nos museus deve ser de lato espetro e concentrar a sua atividade envolvendo as comunidades locais. Os museus, sobretudo os museus públicos, têm a responsabilidade acrescida de envolver a comunidade nas suas atividades, adotando uma política educativa inclusiva (passando desde as comunidades mais jovens às mais velhas).
Assumindo que as atividades turísticas são importantes para o desenvolvimento dos territórios, o desenvolvimento das funções museológicas de uma instituição deve ir para além das “necessidades” e “exigências” do turismo.
É preciso que as comunidades sintam que as atividades programáticas as sirvam e não apenas a um suposto turismo, que nestas regiões é sazonal, ou mesmo um pequeno grupo elitista que usa as instituições públicas apenas com o propósito de se (auto)promover. É preciso que as instituições culturais, e, nomeadamente, os museus, existam para servir a comunidade para que a comunidade se possa servir das instituições.
As taxas de entrada nos museus não podem ser um bloqueio do acesso à cultura. Em regiões como o Douro e Trás-os-Montes, onde se concentra a maior taxa de pobreza a nível nacional, as taxas para o acesso a cultura não pode ser um obstáculo. As instituições não podem condicionar a entrada da comunidade nos museus, quando grande parte do investimento é público (nas instituições públicas e mesmo nas instituições privadas), através de apoios estatais e de programas europeus de desenvolvimento regional.
(esta crónica foi pensada em coautoria com João Duarte)
1Relatório do Turismo de Porto e Norte de Portugal 2017 disponível em http://www.portoenorte.pt/fotos/gca/relatorio_e_contas_2017_1408218675ad4d09cba7fd.pdf.
2Relatório do Turismo de Porto e Norte de Portugal 2017 disponível em htt
p://www.portoenorte.pt/fotos/gca/relatorio_e_contas_2017_1408218675ad4d09cba7fd.pdf.
3Definição ICOM em http://icom-portugal.org/2015/03/19/definicao-museu/
4Dados INE
5Dados INE
Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)