Da ideologia.

A aparente neutralidade política do Partido Socialista (PS) tem levado ao aumento exponencial daquilo a que hoje chamamos de catch all1. O PS tem sido o partido que mais mutações tem revelado, enquanto governo e enquanto oposição. Enquanto o fundador do Partido Socialista dizia, aos seus camarada, num discurso em 1977, que ansiávamos com o PS uma “transformação da sociedade portuguesa a caminho do socialismo”. Ora, para quem desconhece o termo, socialismo é uma teoria económica que defende a administração pública, um Estado forte, que se propõe a construir uma sociedade caracterizada pela igualdade. Resumindo, é uma doutrina à esquerda. Hoje, o PS ganha eleições afirmando-se como partido de esquerda e governa à direita. Ganha eleições citando Mário Soares e António Arnaut e continua a vender o Serviço Nacional de Saúde aos privados. E assim andamos!

Vão governando juntas, câmaras e ministérios. Os atores políticos vão jogando com aqueles que mais lhes convém. Não se definindo como ideologicamente socialistas vão ocupando cargos e posições de destaque na sociedade e aniquilando todas aquelas e todos aqueles que os enfrentem. Vão gerindo a cena política a seu bel-prazer. Não é por acaso que Jorge Coelho cunha a expressão “quem se mete com o PS leva”. Este é o modus operandi.

Temos visto alguns pronúncios das alas mais à direita e mais à esquerda dentro do PS. Pedro Nuno Santos, Ministro das Infraestruturas e da Habitação, tem-se afirmado como ideologicamente socialista, chegando a afirmar que “nunca votaria num candidato da Direita”, apesar de António Costa ter apoiado, publicamente, a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa e de o presidente do PS ter rejeitado, publicamente, uma eventual candidatura de Ana Gomes. 

Do lado oposto, Francisco Assis. O mesmo Assis que assume uma figura central na oposição ao apoio da esquerda parlamentar ao governo minoritário do PS. Para Francisco Assis, o PS governar à esquerda é uma crueldade para com a família política socialista. Não fosse o recente convite de António Costa para Assis integrar o Conselho Económico e Social e pensaríamos que Assis teria sido colocado à parte por figurar tudo aquilo que o fundador do PS não queria para o seu partido. Mas não. António Costa faz questão de que a ala da direita socialista (que paradoxo!) permaneça na cena política.

Quando fazemos zoom e olhamos para a política local, o tema ganha outros contornos. Todas e todos nós conhecemos as investigações nas câmaras de Santo Tirso, Barcelos, Condeixa-a-Nova, Pedrógão Grande. Luís Correia, socialista de Castelo Branco, perdeu o mandato por corrupção. A presidente da Junta de Quiaios (Figueira da Foz), Maria Fernanda Lorigo, eleita pelo PS, perde o mandato por favorecimento. Basta uma pesquisa em motores de busca para uma lista de todas e todos aqueles, eleitos pelo PS, que de socialistas têm bastante pouco.

Em Vila Real, a hegemonia do Partido Socialista ganhou contornos exponenciais, especialmente nas últimas autárquicas. Essa hegemonia deve-se, obviamente, à inércia do Partido Social Democrata, que governou a cidade durante quase 40 anos. Rui Santos, temendo não ganhar as eleições autárquicas em 2017, não exclui entendimentos pós-eleitorais, imagine-se, à esquerda ou à direita, o que confirma a tendência catch all dos dirigentes do Partido Socialista. Rui Santos tem protagonizado várias peças e assumindo vários papeis encenando, pós-autárquicas de 2017, repulsa por aqueles que a ele se opõem. Rui Santos é, hoje, o pater familias, o Pai Disto Tudo.

O Bloco de Esquerda de Vila Real tem-se mostrado preocupado com várias tomadas de posição por parte deste executivo em áreas tão distintas como os transportes, o património, cultura, água, ambiente.

Nos transportes públicos, a câmara insiste em entregar a gestão dos transportes a uma empresa, sem que os funcionários sejam chamados à negociação. O Bloco de Esquerda defende a gestão camarária, em linha com o sindicato, que proteja os trabalhadores e os seus salários.

Na área do património, o Bloco mostra-se bastante preocupado com a retirada da cidade da Zona Especial de Proteção do Alto Douro Vinhateiro, ao passo que a câmara ignora o facto de estar em causa a perda da classificação por parte da UNESCO. Ainda na área da cultura, o Bloco apresentou medidas de resposta à crise nacional Covid-19 a suspensão das rendas das empresas que têm sede social em Vila Real e de todas as taxas camarárias, como o Club de Vila Real que fechou portas recentemente.

Na área do ambiente, o Bloco de Esquerda tem vindo a alertar para os problemas com o curso de água no rio Corgo, observando-se espuma, alteração de cor e odor desagradável. O Bloco alertou a necessidade de serem colocados avisos à população acerca da qualidade da água. A câmara não tirou do papel o tão aguardado investimento prometido de 20 milhões de euros para ampliar a rede de saneamento.

Recentemente, fomos brindados com um esclarecimento sobre aquilo que é o Partido Socialista. Rodrigo Sá, deputado municipal pelo PS, e acérrimo defensor das políticas de José Sócrates em Vial Real, vociferou que “o Bloco de Esquerda, como partido de esquerda que é, defende que tudo deve ser estatizado”. Ora, não é essa a ideologia socialista que defendia Mário Soares? Não é aí que o Partido Socialista se encosta quando cita a Internacional Socialista e defende o fim do capital? Parece que não. O Partido Socialista representa aquilo que de pior a política tem: oportunismo e descapitalização ideológica.

Estes são os atores políticos a nível local. Estes militantes socialistas temem que os seus privilégios sejam colocados em causa. Saltam de poleiro em poleiro sempre na expetativa de passarem entre os pingos da chuva. 

É caso para dizer: quem se mete com o PS de Vila Real leva. Só que não!

 

1 Resumindo o termo, catch all refere-se àqueles partidos que não assumem a dicotomia esquerda-direita e declaram posições ambíguas, que apenas servem para iludir o eleitorado.

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Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)

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