O mundo descobriu uma nova fonte de ignorância. O COVID-19 veio mostrar o quão ignorante é a sociedade. Uma sociedade que vive nas redes sociais e vive das redes sociais. A sociedade do XXI entregou-se à estupidificação. A sociedade a quem se pediu a evolução crucial é a sociedade que regride em termos concetuais.
O COVID-19 transformou as sociedades isolando as pessoas, que abandonam o próximo. Não só abandonam, como amaldiçoam aqueles de onde o foco é maior. A questão do racismo e da xenofobia já não é nova.
Uma epidemia chamada capitalismo.
Certamente, esta epidemia comparar-se-á ao cenário descrito por Saramago no Ensaio sobre a Cegueira. O Ser Humano é social, moral e culturalmente selvagem, egoísta e dominado por instintos bárbaros. As sociedades modernas trouxeram-nos alento e mostraram que é possível coexistirmos numa comunidade salubre, onde esses apetites selvagens são controlados por um estado social que nos protege a todos. Precisamos de ordem e justiça social. Para o Saramago, o apogeu é garantido através do comunismo.
No Ensaio sobre a Cegueira, Saramago mostra uma sociedade esfarrapada e destruída que vagueia sem sentido. O hiato que o Estado deixou entre o social e o valor económico eclipsou-se. O mercado livre colapsou.
Curioso, não? Aquilo a que assistimos hoje não é mais do que isso mesmo. O colapso de uma sociedade refém do mercado que estupidificou a sociedade, levando-as a desacreditar as verdadeiras instituições que protegem o Estado Social.
Assistimos a uma supremacia dos mercados e todos já percebemos a extensão deste colapso. Os mercados arruinaram o Estado Social em 2008: a banca levou-nos tudo e as empresas ficaram com os lucros, enquanto despediam todos os trabalhadores. E esta invisibilidade, causada pela cegueira, vai conduzir a um novo colapso da sociedade (porque o económico está à vista de todos). E assistimos a um conformismo tal qual como o de uma linha bovina num matadouro. A verdadeira dimensão do colapso é observável pelo desrespeito e descrédito das instituições do Estado.
As redes sociais parecem fortalezas, onde reina a ignorância.
A cada passo que vamos dando é um passo hesitante. É certo que as sociedades são hoje mais exigentes e famintas de notícias fáceis. A cegueira por notícias de leituras erráticas é como uma tragédia grega: a audiência aprecia o sofrimento dramatizado. Essa cegueira é como uma prisão ideológica criada há décadas através das concessões e dogmas dos mercados.
Reviver a história.
Da quinta-feira negra, o crash da bolsa de Nova Iorque, resultou uma taxa de desemprego de quase 25%. 1 em cada 4 norte-americanos estava desempregado. Lenine escreveu que se a economia não se encorpar à esquerda, ela procura uma resposta à direita. Que é isso que está a acontecer.
Depois da bancarrota americana, o mundo assistia à maior revolução da História: os operários depunham um regime autocrata e instalavam um governo comunista. Ao contrário, na Alemanha, atingida pela crise dos mercados, eclodia um movimento nacional-socialista que levou à ascensão de um partido de extrema-direita que afundou a europa e o mundo.
Daqui, a expansão do sindicalismo e das ideias socialistas ganhavam espaço público e trouxeram alento a todos aqueles que mais precisavam, famílias pobres e desempregados.
Vivemos, hoje, um estado de cegueira imensa, onde só conseguimos ver aquilo que nos mostram.
Vivemos em agonia à espera de uma morte anunciada pelo neoliberalismo contagioso.
Linguista, investigador científico, feminista e ativista social.
Nascido em Lisboa, saiu da capital rumo a Terras de Trás-os-Montes e cedo reconheceu o papel que teria de assumir num interior profundamente desigual. É aí que luta ativamente contra as desigualdades sexuais, pelos direitos dos estudantes e dos bolseiros de investigação. Membro da Catarse - Movimento Social, movimento que luta contra qualquer atentado à liberdade/dignidade Humana. Defende a literacia social e política.
(O autor segue as normas ortográficas da Língua Portuguesa)