Rio Tejo: a seca que não se vê em Lisboa

Foto de Diego Garcia | Shifter

A maior perda de caudal nos últimos 40 anos – a seca nos rios Sever, Ponsul e Tejo.


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O problema da seca, derivada das alterações climáticas e do consumo desequilibrado dos nossos recursos naturais, é uma realidade cada vez mais presente no nosso território. Neste mês de outubro, oito distritos do sul do país estão em “seca e extrema” (Faro, Castelo Branco, Beja, Évora, Lisboa, Portalegre, Setúbal e Santarém). Desde maio deste ano que o caudal do rio Ponsul, do rio Sever e do rio Tejo nesta zona tem descido consideravelmente, mais de quinze metros do caudal normal, uma situação nunca vista.

Este caudal – que, neste momento, no Ponsul não passa de um ribeiro com pouco mais de um metro de largura – coloca em risco toda a biodiversidade existente, principalmente aquática, e afecta também severamente o quotidiano das populações ribeirinhas, a dinamização do turismo e as atividades piscatórias existentes. O estado atual é preocupante, agravando o risco de estar a acontecer uma mortandade enorme de peixes no rio.

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Os caudais dos rios costumam descer consideravelmente nos períodos de pouca precipitação, mas temos de ter em consideração que a Barragem do Fratel e a Barragem de Belver estão com a sua capacidade normal para esta época do ano. Portanto, esta situação só acontecerá neste local em específico, na albufeira da Barragem de Cedillo, que pertence à espanhola Iberdrola. Não existe também nenhuma obra em nenhuma Barragem do Tejo ou afluentes para a água ter de ser desviada, daí esta situação não ser difícil de explicar.

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A revisão da Convenção de Albufeira deve ser uma prioridade: o incumprimento de Espanha e das Hidroelétricas

Equaciona-se que o Estado espanhol não tem cumprindo, durante este último ano, o estipulado na Convenção de Albufeira (documento que rege os dois rios internacionais da Península Ibérica – Douro e Tejo) e tal situação terá obrigado a libertar água da Barragem de Cedillo de maneira absurda e surreal para cumprir o caudal anual de 30 de setembro, esvaziando assim a albufeira de Cedillo, no rio Tejo, o que acaba por afectar os afluentes rio Ponsul e rio Sever. Nos últimos meses, a Espanha libertou um terço do caudal anual, na tentativa de alcançar o seu cumprimento, como acabou por confirmar a Agência Portuguesa do Ambiente.

Apenas 1.900 hm3 (70%) do caudal anual de 2.700 hm3 fixado na Convenção foi enviado para Portugal de outubro de 2018 até ao final de julho de 2019 pelo que Espanha teria ainda de enviar 800 hm3 nos meses de agosto e setembro de 2019, para assegurar o cumprimento do caudal anual da Convenção de Albufeira.

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O Movimento ProTejo, mesmo com a falta de informação e de transparência sobre estes dados, afirma que existe um claro incumprimento dos caudais estipulados na Convenção. Os caudais estipulados são medidos trimestral, semestral e anualmente, mas, para evitar as consequências negativas ambientais, económicas e sociais que se têm visto, estes caudais ecológicos deveriam ser diários. A Convenção deve ser revista, tal como também devem ser revistos os contratos de concessão da produção de energia hidroelétrica.

Falta solidariedade do Estado espanhol ao realizar recorrentemente transvases de água legais e ilegais na cabeceira do Tejo até ao rio Segura, falta solidariedade das hidroelétricas do Tejo que produzem energia em quantidade que não é necessária, falta coragem do Governo português para obrigar a Espanha a rever a Convenção de Albufeira.

A luta das populações ribeirinhas

O problema de fundo é o grande transtorno que esta situação acarreta com a perda de biodiversidade e o enfraquecimento do ecossistema, que por consequência afeta gravemente as populações envolventes. Operadores de turismo, pescadores, agricultores e outras atividades são afetadas pela perda de caudal na albufeira da Barragem da Cedillo, nos rios Tejo, Sever e Ponsul. No passado mês de setembro, a população concentrou-se junto à ponte dos Lentiscais para se organizar e exigir o apuramento de responsabilidades e a resolução do problema.

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A Barragem de Cedillo, uma parte do problema

Para além das alegadas fugas de água da Barragem de Cedillo, no Rio Tejo, de maneira abusiva para cumprimento do caudal anual da Convenção a 30 de setembro, recordamos que a Iberdrola, empresa espanhola que explora aquela barragem, coloca desde 1992 fortes restrições ao atravessamento dessa barragem de Portugal para Espanha, motivadas por “questões de segurança”.

Apesar de estar desde então em vigor a livre circulação entre os dois países, o atravessamento desta única “fronteira fechada” da Europa apenas pode ser efectuado entre as 9 horas de sábado e as 22 horas de Domingo, obrigando as populações vizinhas de ambos os lados da fronteira a percorrerem uma distância de 120 a 150 quilómetros (por Marvão e Valência de Alcântara), quando o podiam fazer apenas por uns 15 a 20 quilómetros.

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O Rio Tejo juntamente com o Rio Sever fazem uma fronteira natural que poderá ser atravessada através da Barragem de Cedillo construída na confluência de ambos. Mas as autoridades de ambos os lados da fronteira não têm conseguido obrigar a empresa Iberdrola, que também já funciona em Portugal, a franquear esta passagem de uma forma mais permanente.

E a construção de uma ponte já esteve na agenda dos dois países por mais de uma vez, mas uma ou outra razão tem acabado por remeter esse projeto para futura consideração.

Artigo publicado em Shifter

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Diego Enrique Rodrigues Garcia, nasceu no dia 1 de Agosto de 1992 em Ourense, na Galiza. Desde 2009 que reside continuamente em Portugal, na região da Beira Alta.
Ativista social e independentista galego, está ligado ao movimento associativo na área ambiental, do bem-estar animal e da juventude. Dirigente do Bloco de Esquerda no distrito de Viseu
Atualmente a realizar uma licenciatura em Estudos Europeus na Universidade Aberta.

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