Esta não é a lista que idealizei, mas é a lista possível. Ou seja, não foi um ano que tenha visto muitas estreias, pois a maioria dos filmes que vi em 2022 têm mais de 30 anos. No entanto, há um filme com mais de três horas e meia que me marcou em particular e que mereceu liderar o pódio da minha lista, “O Professor Bachmann e a Sua Turma”, de Maria Speth. Um belíssimo documentário sobre um professor muito especial e a sua turma diversificada, com origens culturais e sociais muito diferentes. É um filme de resistência, por demonstrar que é precisamente através da educação, de um ensino público sem amarras e tabus, mas sim com espírito crítico e mais humano e sensível, que encontramos a esperança para um mundo melhor, mais justo e livre. Haja mais professores como Bachmann que acreditam na escola, na pedagogia e que exercem a sua cidadania em prol da comunidade.
Sobre a resistência fala também “Alcarràs”, de Carla Simón, que depois do seu sensível “Verão 1993” (o seu primeiro filme, de 2017), nos maravilha com um robusto filme sobre uma família que resiste às mudanças dos tempos e das tradições que estão a desaparecer. É uma bela história de luta, pela nossa família e pelo que é nosso por direito: terra e trabalho.
Resiste também a comunidade LGBTQIA+ nos Açores, que pela sua orientação sexual e/ou identidade de género é marginalizada, num ambiente ainda muito conservador. “Lobo e Cão”, de Cláudia Varejão, é para mim o melhor filme português de 2022 e um dos melhores deste século. Um trabalho notável de ação direta com a comunidade daquela ilha, com não atores, em que o cinema consegue deixar a sua marca nas pessoas em que nele participaram, assim como no próprio espectador. “Lobo e Cão” é um filme sobre os sonhos e invisibilidades da comunidade LGBTQIA+, que deve ser visto.
Outro filme que me marcou é o aterrador e impressionante trabalho de Laura Wandel, em “Recreio”, sobre o bullying na escola, sobre a violência na infância, sobre os medos das crianças, de não serem aceites, de serem rejeitadas pelos colegas. Os restantes filmes desta lista posso resumi-los às palavras de (novamente) resistência, esperança, luto e perdão.
Ficaram por ver, infelizmente, filmes como “Regresso ao Pó”, “Mato Seco em Chamas”, “Os Irmãos de Leila”, “Il Buco – Das Profundezas” ou “Estrada Fora”. Uma última curiosidade, num ano em que vimos mais filmes realizados por mulheres a chegarem aos cinemas, os quatro primeiros filmes da minha lista são todos realizados por mulheres.
Lista de Tiago Resende
1. O Professor Bachmann e a Sua Turma, de Maria Speth (Alemanha)
2. Alcarràs, de Carla Simón (Espanha)
3. Recreio, de Laura Wandel (Bélgica)
4. Lobo e Cão, de Cláudia Varejão (Portugal)
5. Quando Neva na Anatólia, de Ferit Karahan (Roménia e Turquia)
6. A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier (Noruega)
7. Depois do Amor, de Aleem Khan (Reino Unido)
8. O Perdão, de Behtash Sanaeeha e Maryam Moghaddam (Irão)
9. Onoda, 10 000 Noites na Selva, de Arthur Harari (Bélgica, Cambodja, França, Alemanha, Itália e Japão)
10. Flee, de Jonas Poher Rasmussen (Dinamarca, França, Holanda, Noruega e Suécia)
Menções Honrosas
Alma Viva, de Cristèle Alves Meira (Portugal)
Reunião, de Fran Kranz (EUA)
Breve balanço do ano e lista dos 10 Melhores Filmes do Ano, pelo Cinema Sétima Arte
A equipa do Cinema Sétima Arte repete a tradição, ao reunir-se para eleger a lista dos dez melhores filmes do ano. Como resultado das listas de cada um dos membros (Cátia Santos, Cláudio Azevedo, Luís Barros, Maria Inês Gomes, Mariana Azevedo, Tiago Resende, Vanderlei Tenório, Wellington Almeida) o filme eleito como o melhor do ano de 2022 é “Drive My Car”, de Ryûsuke Hamaguchi.
“Mato Seco em Chamas”, “Alcarràs”, “A Filha Perdida”, “Competição Oficial”, “Recreio”, “Regresso ao Pó” ou “A Pior Pessoa do Mundo” são alguns dos filmes que integraram as listas individuais dos membros do Cinema Sétima Arte, mas que acabaram por ficar de fora. Ao todo foram selecionados 58 filmes, dos quais resultaram 10 finalistas; desses, apenas quatro são filmes realizados por mulheres.
Nesse ínterim, 2022 foi um ano de regresso à relativa “normalidade” das salas de cinema, com resultados bastante superiores aos de 2020 e 2021, mas ainda assim distantes dos números pré-pandemia (15,5 milhões em 2019). Este ano, segundos os dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), as salas de cinema em Portugal devem rondar os 9 milhões de bilhetes vendidos, quase o dobro de 2021 (5,46 milhões de espectadores). Ajudaram a este aumento das receitas e de bilhetes vendidos os filmes “Top Gun: Maverick” (o filmes mais visto do ano com mais 700 mil espectadores), “Mínimos 2: A Ascensão de Gru” (com mais de 600 mil) e “Avatar: O Caminho da Água” (com quase 500 mil espectadores).
Já no caso do cinema português a situação é bastante dramática. A discrepância entre o filme português mais visto do ano, “Curral de Moinas – Os Banqueiros do Povo”, de Miguel Cadilhe, e os restantes filmes é soberba. A comédia de Miguel Cadilhe foi vista por 314 mil espectadores, enquanto que o segundo do ranking de filmes portugueses mais vistos em 2022, “2 Duros de Roer” (também uma comédia), teve apenas cerca de 50 mil espectadores. Seguem-se “Salgueiro Maia – O Implicado” (16 777), “A Fada do Lar” (14 711) e “Restos do Vento” (11 482). É alarmante ver como apenas cinco filmes portugueses conseguiram ultrapassar a margem dos 10 mil espectadores. “Alma Viva” teve apenas 7649 espectadores, “Lobo e Cão” teve 5710 espectadores, “Fogo-Fátuo” teve 3533 espectadores e até o novo filme de António-Pedro Vasconcelos, “KM 224”, foi visto apenas por 4128 espectadores, quando noutros tempos, os filmes de Vasconcelos alcançavam mais de 100 mil espectadores.
Alguns acontecimentos cinematográficos que marcaram o ano foram: a descoberta do passado do fundador da Berlinale, Alfred Bauer, como alto-funcionário do regime de Hitler, sob a tutela direta de Joseph Goebbels; o caso do realizador iraniano Asghar Farhadi, que foi considerado culpado de plágio por um tribunal do Irão, por ter copiado o conceito do seu filme de um documentário feito por um dos seus ex-alunos; o estalo de Will Smith a Chris Rock no palco da cerimónia dos Óscares.
Destacamos ainda neste balanço do ano algumas personalidades do universo cinematográfico que morreram em 2022: o cineasta Jean-Luc Godard, a cineasta Heddy Honigmann, o produtor e realizador António da Cunha Telles, o realizador francês Jean-Marie Straub, a atriz Angela Lansbury, o ator Jean-Louis Trintignant, o ator Ray Liotta, o ator Jacques Perrin, a atriz Eunice Muñoz, o ator Robbie Coltrane, o ator Sidney Poitier, a atriz Monica Vitti e o compositor grego Vangelis.
Lista dos 10 Melhores Filmes de 2022, segundo os membros do Cinema Sétima Arte:
1. Drive My Car, de Ryusuke Hamaguchi
2. Memória, de Apichatpong Weerasethakul
3. Lobo e Cão, de Cláudia Varejão
4. Triângulo da Tristeza, de Ruben Östlund
5. Depois do Amor, de Aleem Khan
6. O Professor Bachmann e a Sua Turma, de Maria Speth
7. Licorice Pizza, de Paul Thomas Anderson
8. Il Buco – Das Profundezas, de Michelangelo Frammartino
9. Petite Maman – Mamã Pequenina, de Céline Sciamma
10. O Acontecimento, de Audrey Diwan
Portuense mas reside em Viseu desde 2015 e é apaixonado por cinema e política. É administrador do site Cinema Sétima Arte, programador de cinema no espaço Carmo 81 e fez parte da equipa que reabriu o Cinema Ícaro, em Viseu, com o Desobedoc 2018. É ativista na Plataforma Já Marchavas, que organizou a 1.ª Marcha LGBTI+ de Viseu, em 2018.