É inevitável nestes dias não andar com o Corona na cabeça, é afinal por culpa desta reles amálgama proteica que vimos o “mundo parar”, é por sua culpa que estamos, e teremos de continuar, confinados nas nossas casa; O motivo pelo qual não há desporto – os grandes eventos deste ano foram já adiados – os campeonatos estão em risco de não acabar; Na televisão as séries não gravam novos episódios, o cinema adia a produção de novos filmes, os músicos adiam concertos, os teatros esvaziaram de vez. A natureza há muito nos dava sinais de que deveríamos estar atentos, mas na nossa arrogância, gula pelo lucro e comodismo, deixámos andar até não haver tempo para evitar a lambada. Tivemos sorte em ser apenas uma lambada. Fomos castigados pela nossa húbris e bastou uma “gripezinha” para nos apanhar desprevenidos e com as calças na mão, apesar dos avisos, e deixar-nos derreados e em confinamento. Não sou entendido nestes assuntos de saúde, não posso portanto falar de plena razão e não irei aqui dissertar sem conhecimento de causa.
O que sei, uma vez que é do conhecimento geral, é que este vírus – Covid-19, nova mutação dos já conhecidos Coronavírus, e, os quais, relacionados com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS na sigla inglesa) – surgiu na China. E é nisto, e somente nisto, que podemos relacionar o vírus com aquele país e aquele povo. Há responsabilidade dos chineses pelas fracas condições sanitárias dos seus mercados de animais vivos, sim há, de facto, mas isso não os torna responsáveis pelo vírus. Não são nem malditos, nem filhos daquela senhora, nem machos caprinos, são, isso sim, também eles vítimas do mesmo vírus que nos força, em prol da saúde pública, a ficar em casa de prevenção, para evitar a escalada pior de uma pandemia há muito prevista e, desde há muito, ignorada em prol do capital.
O pânico é natural, há demasiadas incertezas e há, o pior de tudo, a limitação humana. Podemos rezar a todos os santinhos e a todos os deuses em que acreditemos mas, no fundo, teremos sempre medo por sabermos que dependemos da condição humana e das nossas limitações. E tudo bem, ter medo é natural e é bom. Todavia, temos de ultrapassar, e saber ultrapassar, a histeria e, com calma, analisar os dados e os factos. Ouvir quem esteja, efectivamente, informado e não nos deixar cair na tentação de lérias armadas quer para manipulação da opinião, quer por demagogia obscena e, o mais abjecto motivo de todos, pura e inepta estupidez. Quando escrevi o último artigo, a proliferação de notícias falsas tendia para que se espalhassem medidas de prevenção irreais, até mesmo algumas curas(!) sem sentido e declarações hipócritas de pseudo-profissionais de saúde.
Entretanto, a peçonha do ódio (que um meio de comunicação nacional, na sua manha, há muito procurava criar) começou a ganhar forma. Fechados em casa “contra sua vontade” a cousa foi fervendo, a tacanhez e mesquinhez foram ganhando forma e “não vamos comprar produtos da China” disseram, então, cheios de bazófia os idiotas orgulhosos de ser estúpidos e xenófobos, “a culpa é toda desses amarelos que comem tudo, javardos de caca, filhos da outra senhora”. Então, em meio desta verborreia e nescidade, os “malditos filhos da outra senhora”, tornaram-se num verdadeiro inimigo. E esta batalha contra um vírus que evoluiu e mutou naturalmente (está provado cientificamente!!!), tornou-se parte de uma grande guerra de escala planerária. “É a III Guerra Mundial”, dizem os iluminados profetas na desgraça, com uma inteligência superior à das secretas dos grandes estados. “Só não vê quem anda a dormir. O vírus foi criado por eles.” “Os machos caprinos são muitos, não se importam de morrer, e infectaram-nos de propósito.” Parafraseando Einstein, a estupidez humana deve, de facto, ser mais infinita do que o universo. Já o conhecimento de história e ciência destes iluminados é finito, na grande maioria das vezes não saiu ainda sequer da linha de partida. Se Fritz Haber tivesse pensado na pneumonia, em vez de Gás Sarin, a Primeira Guerra Mundial teria sido muito diferente. E como toda a gente sabe, para se preparar uma guerra, não há melhor modo do que afectar a própria economia e matar parte da própria população, porque nem sequer são necessários colonos para a ocupação posterior, nem tropas para manter o controlo. Contudo, não sou estratega militar; nem sequer sou bom a jogar xadrez, portanto, o que sei eu? Sei que gosto de ficção e de entretenimento, mas gosto também de que sejam de qualidade e com bons argumentos.
Em momentos como este todos precisaríamos de um Zé Fernandes, que nos esclarecesse nas erradas certezas que, com tanta jactância, julgamos aspergir cultamente e cheios de nobreza, tão ricos de nada e tão pobres da civilização.
“- Fiz toda a sorte de cursos, passei pelos professores mais ilustres da Europa, tenho trinta mil volumes, e não sei se aquele senhor além é um amieiro ou um sobreiro.
– É um azinheiro, Jacinto.” (Eça de Queirós – A Cidade e as Serras”)
Nasceu em Macedo de Cavaleiros, Coração do Nordeste Transmontano, em 1983, onde orgulhosamente reside. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, publicou poemas e artigos na extinta fanzine “NU” e em blogues, antes de editar em 2015 o livro-objecto “Poesia Com Pota”. Português de Mal e acérrimo defensor da regionalização foi deputado municipal entre 2009-2013.
Este autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.