A situação é de tal modo caricata que mais parece uma má paródia, retirada de
uma historieta rabiscada num guardanapo que se continuou a usar depois. No entanto, o
seu criador defende-a (incompreensivelmente!) com veemência e paixão. Este é, de resto,
o fruto da sua esforçada luta pela conquista da sebastiânica maioria absoluta. Na altura,
demonstrou uma completa falta de noção e oportunidade (não confundir com o
oportunismo efectivo de Costa e do PS) fazendo birra à boca cheia sobre uma “crise
política” inventada, qual bicho papão, para assustar os eleitores. António Costa sabia
jogar o jogo, conhece-lhe as regras, estudou as tácticas. Com a complacência do
Presidente da República, bradou aqui-d’el-rei contra aqueles que, em prol dos
portugueses, sustentavam a sua governação, convencido de que a cantilena do voto útil
lhe seria favorável; clamou que, aqueles que lhe permitiam governar – a troco de
pequenas vitórias políticas, vantagens e direitos para a população – eram, afinal,
“meninos muito maus” que o não deixavam brincar sozinho, quando apenas assim é que
a sua brincadeira incluiria toda a gente (pois, nunca fez sentido). Apenas Costa sozinho
poderia evitar o ascenso do ódio da nova extrema-direita e do seu neoliberalismo bacoco,
xenófobo e reaccionário encapuçados de verdade e anti-sistema. Costa embirrou, chorou,
prometeu e convenceu, ei-lo, aí, com a maioria entregue de bandeja no colo.
O resultado imediato, da verdadeira crise política criada, isso sim, por António
Costa, foi ver o ódio (inconstitucional, note-se) instalar-se, cómoda e pretensiosamente,
na casa da democracia, em substituição dum CDS envergonhado em assumir os mesmos
ideais (desengane-se quem achar que a retirada da confiança política em André Ventura,
antes de este se dedicar à pastorícia, foi por discordância com as declarações e não por
vergonha da sua assunção pública). De seguida, o Orçamento «mais à esquerda de
sempre» foi aprovado com a conivência da direita, que não teve propostas ou alterações
dignas para apresentar a um orçamento, que tanto criticava por dar demasiado a um país
necessitado! Ainda mais irónico; um certo pastorinho da direita prometia no seu discurso
da noite eleitoral “ir atrás de António Costa”, acredito que o primeiro-ministro, ainda que
rindo-se da palhaçada, tenha ponderado as repercussões daquelas palavras na diminuta
desenvoltura intelectual da seita, contudo, o quarto pastorinho, por “ir atrás”, referia-se ao
lugar no tacho e não a questões políticas. (Aliás, a “política” da direita não passa de um
esmiuçar aprofundado e doentio dos casos e casinhos que pululam pela promiscuidade
política. Propostas, soluções e diferenças com a política do governo actual, nem vê-las,
só os casinhos chateiam as comadres.
Não obstante as imensas críticas, com um orçamento “tão bom para a vida dos
portugueses”, com a estabilidade governamental e parlamentar que a maioria absoluta
confere ao PS, exceptuando questões pontuais a nível interno e algo de grave a nível
internacional, nada deveria ou poderia abalar este governo, esta maioria, esta política de
desenvolvimento e dignidade que tem no seu âmago o bem-estar dos portugueses,
deveria ser louvada internacionalmente e os antigos parceiros deveriam admitir o seu erro
em não aprovar maus orçamentos e exigir medidas decentes, certo? Admito que até a
mim irrita o sarcasmo da frase anterior… Costa declarava aos sete ventos que não o
deixavam governar, que a culpa era dos “meninos maus” que não o deixavam salvar a
pátria e enxotavam o nevoeiro. Já perdemos a conta aos casos e casinhos, às demissões
e reestruturações, perdemos conta às vezes em que o primeiro-ministro ao invés de
assumir os seus erros, ou fazer o mea culpa ao erros do seu governo, continua,
insistentemente, a arrastar e criar casos, a arranjar desculpas, ao invés de criar empregos
e arranjar a economia.
Costa pode mentir, omitir, distorcer, ter má dicção, achar que é imune a tudo,
porque tem uma maioria absoluta e que se pode desculpar de tudo com a pandemia, a
guerra e a sua inocência e credulidade em tudo. Pode, sim. Costa tem-nas largas, há toda
uma máquina que o protegerá quando cair. Porém, enquanto Costa se convence, ou é
convencido, de que está em queda. O país real, continua no fundo, à espera de que a loa
da maioria dê mais frutos e soluções para o país, do que só casos, casinhos e falatório inócuo.
Nasceu em Macedo de Cavaleiros, Coração do Nordeste Transmontano, em 1983, onde orgulhosamente reside. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, publicou poemas e artigos na extinta fanzine “NU” e em blogues, antes de editar em 2015 o livro-objecto “Poesia Com Pota”. Português de Mal e acérrimo defensor da regionalização foi deputado municipal entre 2009-2013.
Este autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.