(*O homem é o lobo do homem)
Parece-me lógico, senão mesmo a única atitude correcta, após na última crónica ter apelado ao voto e à adesão às urnas, redundar esta resenha sobre um dos mais negativos aspectos dos resultados da eleição para o Parlamento Europeu, a abstenção – abjecta submissão ao domínio e vontade da esmagadora máquina capitalista.
Não tenho a prepotência de especular e analisar um qualquer conjunto de factos e razões que justifiquem o porquê de cerca de sete milhões de eleitores portugueses preferirem ter votado o seu destino à sorte que lhes atribuiu um terço do eleitorado seu concidadão, ao invés de votarem esse mesmo fado europeu na sua própria convicção, ou falta da mesma. Não obstante, enche-se-me, de qualquer modo, a húbris com a motivação para dissertar sobre este erro, e no quão errada é tão bacoca servidão.
Apesar de já ter havido proposta, da parte de partidos conscientes dos (des)interesses daqueles que antes subjugam valores e direitos ao capital e seus lóbis, para que este tenha valor e representação no resultado final; o voto em branco ainda não protesta, nem é protestante, consequentemente, é nulo. Porém, tem sempre a validade de ter, e de ser voz. Todas as revoluções começam num suspiro calado, até se tornarem num grito ensurdecedor. Pois que toda a nulidade deve ser combatida e anulada, de nada fazer-se tudo, porque é do nada contudo que se deve insurgir a vontade da sociedade.
Infelizmente, de revés, a abstenção não é, nem será alguma vez, mais do que um urro estridente de silente menosprezo. Menosprezo por si, pelos seus e pelo seu.
É a forma moderna de aceitação da exploração burguesa, de subjugação aos interesses da oligarquia que, sem esforço, vê o seu poder manter-se e aumentar, perante a inércia do “proletariado” explorado e servil.
Abster-se de um direito não é um grito de revolta, é somente sujeição à vontade do poder capitalista. É um insulto, desculpai-me a franqueza, ao esforço, suor, lágrimas e sangue dos que sem nada lutaram para que hoje possamos publicar nas redes sociais todo o “nosso orgulho” em recusarmo-nos, por vil e abjeta iliteracia, ao exercício do nosso direito democrático. O orgulho em ser servis objectos submissos do capital. Abstenção é subjugação, não tem nem valor-de-uso nem valor-de-troca; é subserviência; é desistência!
“A sociedade não se basta com o trabalho de cada membro para si; exige colaboração e auxílio mútuo, pelos quais os vários elementos se integram no conjunto. (…) é necessário que haja um mínimo de estabilidade” (Amaro, M. de Areias – Introdução à Política) E a estabilidade só é possível se, efetivamente, nos comportarmos socialmente; o socialismo disso depende. Ninguém pode querer ser, nem pode aceitar ser um escravo moderno, na servil ilusão de que a subjugação é o seu direito e a que a inércia é uma opção de acção. A inércia é a submissa derrota da luta socialista e a corroboração de que sem a luta permanente não existe futuro para o socialismo.
Se bem que, de facto, até faz; permite a oligarquia de um feudalismo esclavagista, em que o próprio escravo renega os seus direitos. Um escravo espartano inverso, que luta pelas grilhetas reais que a ilusão de liberdade lhe permitira esquecer. Lobo de si mesmo, carrasco da sua liberdade, um tolo feliz, porque não vota.
Nasceu em Macedo de Cavaleiros, Coração do Nordeste Transmontano, em 1983, onde orgulhosamente reside. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, publicou poemas e artigos na extinta fanzine “NU” e em blogues, antes de editar em 2015 o livro-objecto “Poesia Com Pota”. Português de Mal e acérrimo defensor da regionalização foi deputado municipal entre 2009-2013.
Este autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.