Como humano, não sou quer dono da verdade, quer mensageiro de absolutas remissões, ou imodestos ideais de perfeição. Sei que não sou, em nada, isento de cair nas malhas do preconceito e dos estereótipos, sou, contudo, consciente de que não posso, nem deverei, deixar-me enlear na tacanhez egoísta da intolerância e em conceitos e concepções, provadamente, errados e caquécticos, para viver a minha vida, para comportar-me nos relacionamentos sociais e, principalmente, para (erradamente) julgar os demais sob um falso e imoral ajuizamento, tanto pessoal como social.
Sobre a mentalidade medieva, há muito já, foi derramada a luz do humanismo, os princípios de justiça e equidade entre todos os Homens não são novidade, nem deveriam ser tema de discussão. E sim, Homens, assim mesmo “com agá grande”, símbolo da humanidade, onde todas as etnias, géneros, credos, todas as diferenças que, distinguindo-nos, nos revelam e relevam iguais, onde tudo o que nos torna distintos, enquanto seres humanos, igualmente, nos aproxima. Poderíamos perder aqui algum fôlego debatendo a justeza, os motivos culturais, os preconceitos, etc, que levam a que a palavra “homem” seja usada para simbolizar toda uma espécie, porém, deixemos as questões linguísticas de parte, concentrando-nos, antes, no presente que a linguagem nos confere; a capacidade de comunicar, transmitir opiniões e conhecimentos, a capacidade de coexistir, dialogar, aprender, compreender, assimilar e tolerar, entre tantas outras mais.
Em termos de exemplo, nesta reflexão, não vou tomar como referência os diversos choques, abusos e ofensas étnicas e culturais que se vão destacando e pululando a cada dia, desde cercas sanitárias para determinada(s) etnia(s), a responsabilidades na transmissão – até mesmo génese – da doença que agora nos confina; desde a intolerância entre grupos religiosos e daqueles por estes tidos como hereges, à desculpabilização de atrocidades e genocídios, por bacoquice e estupidez, ou inumanos interesses comerciais; passando por palavras vulgarmente proferidas, onde uns vêem apenas modas, mas que a outros magoam, pelo que são e exprimem na verdade. Não, nesta reflexão, como exemplo, surge-me um pequeno apontamento acerca de dinossauros, e em quanto aprendemos mais sobre estes nos últimos vinte anos, do que em toda a existência da paleontologia como ciência. O que quero exprimir com isto é a falsidade de noções que durante séculos foram tidas como certas; o nome dinossauro deriva da concepção de que estes animais fossem répteis gigantes, sendo que hoje percebemos que alguns deles são “os primos afastados” de onde degeneraram, por exemplo, os perus, ou seja, alguns desse gigantes seriam aves e não répteis. (A quem não viu, aconselho que procure uma imagem destes gigantes primitivos cobertos de penas, numa das muitas notícias em que se trata desta revelação, que em tão pouco tempo abalou e alterou a percepção que tínhamos dos maiores animais a caminhar sobre a Terra.)
Portanto, independentemente de sermos, ou não!, crentes na ciência, não somente devemos manter a mentalidade e o espírito abertos, para aceitar que há muito, enquanto sociedade, que podemos, devemos e iremos ainda aprender, assim como aceitar que nem todas as noções do que seja certo para nós, sejam verdades inabaláveis e que não possam ser alteradas pela percepção de outrem. Há que separar o trigo do joio, pois claro, mas, também, é preciso saber apartar o trigo que possa estar infectado, porque este pode estragar o pão; e duma refeição salutar, acaba por surgir toda uma mitologia e a, infeliz, sucessão de eventos que levam à morte de milhares de pessoas em autos-de-fé recheados de fel.**
Como, muito sabiamente e bem, advogou a minha amiga, Sara Moreira, “Nós não temos culpa de que os nossos antepassados descobridores tenham arrancado a humanidade aos povos descobertos. Nós não temos culpa das atrocidades cometidas em nome da expansão da nação. Mas é nossa responsabilidade travar o ciclo de estigmatização que ainda se vive em pleno séc. XXI. Enquanto houver quem morra na rua, pela cor da pele e botões de pânico, não podemos celebrar dignamente o Dia dos Direitos Humanos.” É esta mesmo a realidade, não temos culpa do passado, porém, como seus herdeiros, compete-nos não só saber o que fazer com essa herança, como escolher qual a marca que queremos deixar como nossa herança para as gerações futuras; queremos ser lembrados como quem, humanamente, lutou pela mudança, ou como quem, cobarde e laxativamente, se acomodou, porque é mais fácil e assim foi habituado?
Ser revolucionário na procura dum mundo melhor, de igualdade e humanismo, contrariamente a ser reaccionário num mundo de dogmas absurdos e mesquinhos, não é uma questão de direito individual, é um dever colectivo e universal que nos compete, e deveria compelir, como humanidade, como herdeiros da evolução que nos trouxe, arrogante e destrutivamente, ao topo da cadeia alimentar. Não obstante, cabe a cada qual decidir por si, se quer ser recordado como reles escumalha odiosa e xenófoba, ou pela nobreza justa e humana da equidade e rectidão. “Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, não é utopia, é justiça.”***
*(Isto não é um cachimbo) Legenda na obra, La Trahison des Images (A Traição das Imagens), de René Magritte.
**Há estudiosos que acreditam que algumas das ocorrências e aparições atribuídas a lobisomens, bruxas e outros fenómenos sobrenaturais, possam estar associadas ao consumo de cereais infectados com cravagem, sendo que o consumo do fungo pode provocar alucinações (estando associado à síntese do LSD), além de outros efeitos nefastos.
***Dom Quixote de La Mancha, Miguel de Cervantes.
Nasceu em Macedo de Cavaleiros, Coração do Nordeste Transmontano, em 1983, onde orgulhosamente reside. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, publicou poemas e artigos na extinta fanzine “NU” e em blogues, antes de editar em 2015 o livro-objecto “Poesia Com Pota”. Português de Mal e acérrimo defensor da regionalização foi deputado municipal entre 2009-2013.
Este autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.