Há alguns indivíduos, para infortúnio de muitos outros, para quem democracia é um palavrão que crêem bastar-lhes bradar aos sete ventos para que os demais se prostrem em genuflexão como se das palavras de suas excelências ecoassem derradeiras e divinais soluções. É, de resto, sobejamente, usual ouvirmos as promessas democráticas dos candidatos do “centrão” sobre como tudo farão para a sua e pela sua terra, como as suas infâncias foram passadas em aldeias recônditas – cuja mera menção do nome logo toca na alma e coração dos eleitores – e como nunca esqueceram aqueles lugares e amizades, mesmo quando à força da necessidade tiveram de migrar para continuar os estudos (mas onde muitos nunca voltaram depois dos estudos concluídos; e outros apenas vão uma ou outra vez por ano, aquando de uma qualquer celebração); já há muito que ouvimos esta cantilena apenas para que quando chegados à capital revelem o Calisto Elói, superficialmente, escondido em si, e rapidamente deixem os interesses da sua região, que porventura nunca terão sido os seus, em detrimento das políticas centrais e centralistas; e do capital interesse do lóbi empresarial.
Todos conseguimos ver, ainda que muitos prefiram olhar para o lado, como ao Domingo no café se fala em investimento e Segunda-Feira no Parlamento se vota no desinvestimento. Lutar pela manutenção de uma linha férrea só é útil enquanto dá votos para o poleiro, depois de oferecido um lugar no quadro directivo da empresa responsável pela submersão da dita linha já o tacho fala mais alto e os valores são afinal venais e não ético-morais e sociais.
Mas nós não precisamos que nos digam o que não somos; nós transmontanos, e.g., sabemos o que não somos, a nossa região está cada vez mais erma e votada ao envelhecimento e empobrecimento, mas é mesmo assim uma importante zona onde dois países se tocam e onde as suas relações melhor se desenlaçam, pelo menos assim o deveriam. E sabemos, demasiado bem, tratarem-se de dois países distintos. De facto, moramos suficientemente próximos de Espanha: para perceber a diferença nas infra-estruturas, por vezes ainda antes de se ultrapassar a linha fronteiriça; para perceber que um país é o pleno do seu território e que uma nação não é apenas a metrópole da sua capital e uma ou outra cidade junto à costa; para perceber que os serviços são fundamentais para as populações e que um povoado tem de o estar para sê-lo; para perceber que as gentes se tratam com respeito e dignidade, e que estes se demonstram servindo igualitariamente as gentes que de Norte a Sul, de Este a Oeste, nas mais remotas ilhas e mesmo no estrangeiro são a sua identidade, a sua nação. Gentes que na sua individualidade são o colectivo que é Portugal.
É fulcral compreender que respeito e dignidade não são promessas de estradas e isenções fiscais, não são inaugurações, nem visitas breves e elogios à anciã identidade cultural. Respeito e dignidade são e estão: na devolução da linha férrea, em parte cobardemente roubada pela calada da noite e afundada para enriquecimentos ilícitos, pondo em causa património mundial; na abertura de (mais) serviços públicos negados a gente que é vista como número e estatística em vez de pessoas e cidadãos; na industrialização necessária para a evolução e concreta criação de postos e condições de trabalho; na não retenção dos fundos monetários destinados ao investimento e desenvolvimento de áreas e serviços específicos, condenando-os à ganância das grandes urbes e suas metrópoles; na aposta no desenvolvimento cultural, educacional e científico; no tratamento de cada cidadão como igual e na não separação destes em subcategorias dependendo da região em que nasceram, ou vivem.
Creio ser importante compreender que a mim não incomoda que os meus impostos sirvam para baixar o passe dos transportes públicos em Lisboa e noutras cidades, não me importa que os meus impostos sejam usados na construção de estradas e pontes que poderei nunca vir a cruzar; jamais me poderá incomodar que um meu compatriota tenha direito a serviços e a uma vida dignos, contudo, incomoda-me que um meu compatriota se indigne com a construção (tardia), aliás a conversão de um I.P. desastroso numa auto-estrada, que é apenas a segunda de toda uma região e a única no distrito de Bragança; Porque na sua cidade – onde pululam auto-estradas e vias modernas, tem aeroporto, ferrovia e metropolitano, etc… – o dinheiro seria melhor empregue para servir os habitantes de primeira categoria da capital. Porque é tudo muito bonito no Entrudo e nas duas semanas das férias estivais. Quem não rejubila quando na sua fugaz visita cita Torga aos amigos ou na comunicação social? Todavia, este reino maravilhoso que aos olhos do Litoral só dá meia dúzia de votos inúteis, não pertence ao jardim florido nem mais é do que um ermo maravilhoso pela beira-mar repudiado.
Nasceu em Macedo de Cavaleiros, Coração do Nordeste Transmontano, em 1983, onde orgulhosamente reside. Licenciado em Línguas, Literaturas e Culturas, publicou poemas e artigos na extinta fanzine “NU” e em blogues, antes de editar em 2015 o livro-objecto “Poesia Com Pota”. Português de Mal e acérrimo defensor da regionalização foi deputado municipal entre 2009-2013.
Este autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.