Talvez por resultado do “atraso” que define as zonas menos povoadas e mais recônditas do nosso país este fenómeno parece chegar com décadas de atraso. Mas aqui está ele bem patente pelas vilas, aldeias e pequenas cidades de um distrito como Viseu. Por todo o lado somos surpreendidos pelo sotaque brasileiro nas suas mais diversas manifestações; por gente africana ou com aquela tez peculiar que, talvez algo preconceituosamente, associamos ao designado Indostão; pessoas de todos os tipos e tamanhos, nas suas apelativas indumentárias, que trazem com elas línguas que nos são estranhas e hábitos aos nossos olhos algo exóticos. Em suma, para além da esperança que carregam trazem com elas também a novidade que é efeito natural de existir vida. A paisagem do Interior está a mudar devido à presença destes trabalhadores pobres que catalogamos como “estrangeiros” e isso só pode ser bom. Não apenas porque nos ajudam na tarefa infinita de “construir o país”, essa comunidade imaginada, como contrariam a tendência de declínio, nomeadamente demográfico, que continua a matar o Interior. E afinal, bem vistas as coisas, ao invés de os odiarmos não devíamos agradecer a todos esses imigrantes que se levantam pela aurora para trabalharem nas obras das nossas cidades? Ajudando a levantar novas pontes ou a assentar novos carris para linhas de comboio que há muito deviam estar finalizadas? Ou que laboram por turnos ininterruptos nas “nossas fábricas”? Ou, então, que cuidam dos nossos idosos — nossos pais ou nossos avós — pelos lares e centros de dia destas regiões que tanto sofrem pelo estigmatizado “envelhecimento”? E é claro que muitos destes trabalhadores que tudo alienaram nos seus países de origem para poderem sonhar com uma vida melhor no nosso território têm também direito a esperarem mais do que ocupar os postos de trabalho que mais ninguém quer.
E o mais curioso, e sinistro, é que muita dessa gente a que nos referimos por “nossa”, continua a olhar para estes imigrantes como o inimigo e não como o amigo. Quer dizer, mesmo com o Interior despovoado, envelhecido e sem vislumbre de mudança preferem a sua lenta mas inexorável decadência a participarem, com alegria e solidariedade, dessa imensa festa coletiva que é o contato e convivência com outros modos de pensar e de ser. O racismo e a xenofobia, sedimentos da extrema-direita, querem um mundo pequeno e claustrofóbico, e nós, à esquerda, não podemos responder de outra maneira senão com a força e a liberdade de um mundo que desejamos sempre alargado, sempre por construir, sempre excessivo e vibrante.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.