O programa eleitoral é igualmente uma espécie de projeção da sociedade que cada partido deseja para o seu território de influência. Antes de tudo o mais um programa político reflete um modelo de sociedade que se pretende disputar. Mais do que um complexo conjunto de pormenores técnicos um programa eleitoral é um espelho do futuro à imagem do presente do respetivo partido. Antes ainda de perceber se as ideias defendidas pelo partido são tecnicamente exequíveis, importará perceber que tipo de sociedade essas mesmas ideias refletem. Porque são essas ideias — as quais, por seu turno, condensam uma “visão de mundo” — que servem de guia às questões técnicas e não o contrário – como o pretende a tecnocracia. O facto de determinados partidos estarem como que dotados de maior conteúdo utópico não é um ponto a desfavor dos mesmos, antes pelo contrário. Que um partido dispute a realidade confrontando-a, contrapondo-lhe outras possibilidades ao ponto de ser politicamente disruptivo, isso apenas significa que o mesmo partido disputa um campo político e não se limita a ser engolido pela hegemonia ou a reproduzi-la.
E no caso do Bloco de Esquerda a sua visão para o país que o respetivo programa eleitoral traduz ou dá corpo é a de um país onde a igualdade tem primazia sobre a organização da sociedade em classes, isto é, uma sociedade estratificada dividida entre ricos e pobres, opressores e oprimidos, poderosos e desfavorecidos… É também a imagem de um país onde os animais não-humanos são tratados com dignidade e integram ecossistemas humanos que têm como finalidade a promoção do bem-estar de todas as espécies. Onde a saúde não é um negócio e o cuidado mútuo é a expressão por excelência da solidariedade. Onde, também, a acumulação privada da riqueza não é compatível com a sustentabilidade ambiental e a política dos transportes tem uma orientação coletiva ao invés de individual, privilegiando deste modo a mobilidade pública em detrimento da privada. Um país onde cada uma tem o inalienável direito de perseguir o seu modo de vida de acordo com a sua conceção de felicidade nos limites do garantir o mesmo direito a todos os outros. Um país, enfim, onde as condições para a máxima liberdade são garantidas por meio do princípio da igualdade radical entre todas. Afinal só podemos ser verdadeiramente livres se os outros forem pelo menos tão livres quanto nós o somos.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.