Serra da Estrela: a torre do nosso descontentamento

Por que não conciliar a conservação e proteção do património natural com a atividade turística sustentável, apostando na redução gradual do tráfego e limitação da presença humana na zona da Torre?
Serra da Estrela
Serra da Estrela

No passado sábado dia 8 de Julho, o Movimento Estrela Viva regressou ao ponto mais alto de Portugal continental para realizar a, já habitual, caminhada com recolha de lixo (plogging).

Foram cerca de 35 os voluntários que, durante uma manhã, calcorrearam a zona à volta do denominado “centro comercial da Torre” recolhendo o lixo deixado pela presença humana, principalmente durante a intensa atividade turística de Inverno. Entre restos de
plásticos, garrafas de vidro, copos de café, beatas, máscaras e até entulho, contabilizaram-se cerca de, imagine-se, 200Kg de lixo recolhido!

A esta atividade juntaram-se o Comando do Postode Busca e Resgate em Montanha da GuardaNacional Republicana, os sapadores florestais do ICNF e, pela primeira vez, as investigadoras doprojeto EcoLab_Estrela do Centre for Functional Ecology da Universidade de Coimbra, que desenvolvem um trabalho meritório (o primeiro alguma vez desenvolvido na região), dequantificação de microplásticos nas lagoas da Serra (os primeiros resultados deixam já antever sérias preocupações sobre as quantidades destes materiais detetadas nestes reservatórios de água).

Mais do que recolher o lixo resultante da falta decivismo de quem sobe à Torre (e da falta de caixotes do lixo no local!), a iniciativa pretendeu sensibilizar a opinião pública e os agentes ligados à Serra da Estrela – cidadãos, autoridades locais,operadores turísticos – para a importância da adoção de práticas ambientalmente responsáveis no usufruto deste património.

Porém, ano após ano, sentimos que estes esforçospor parte da sociedade civil continuam a ser inglórios, uma vez que continua a não existir, por parte da empresa concessionária da exploração turística da Serra da Estrela – Turistrela, um compromisso sério para mitigar os impactos deste turismo massivo, sazonal, de baixa qualidade, e com efeitos graves para os ecossistemas. E isso desmotiva os cidadãos, que querem inverter este ciclo de degradação ambiental, e enfraquece as instituições locais.

Recorde-se que a Turistrela, detém, desde 1971, a concessão exclusiva do turismo na Serra da Estrela, concessão esta renovada em 1986 por sessenta anos. A área concessionada é de cerca de 40 mil hectares, acima da cota dos 800 metros de altitude. Desde essa altura que o património natural da Serra da Estrela tem sido sujeito a agressões constantes por esta empresa a quem o Governo entregou, em 2011, parte da responsabilidade de vigilância e denúncia de incumprimentos no Parque Natural da Serra daEstrela (PNSE).

Sabemos que está em marcha um plano de investimento para dar um novo impulso ao desenvolvimento turístico dito “sustentável” da Serra da Estrela, solicitado pelo governo à empresa concessionária, e que será objeto de acompanhamento por uma Comissão que integra autarquias, infraestruturas de Portugal, Agência Portuguesa do Ambiente, CCDR, Entidade Regional de Turismo e Turismo de Portugal. O plano em causa envolve, entre outras prioridades, a reabilitação da zona da Torre, sustentada num investimento de €30 milhões por parte da Turistrela para a criação de um observatório, residências científicas, áreas comerciais e um teleférico.

Mas fará sentido continuar a promover a construção de infraestruturas comerciais e outros equipamentos turísticos numa zona sensível de altitude, onde a pressão sobre os ecossistemas mais se faz sentir?

Por que não aproveitar os bons exemplos que nos chegam de parques naturais nacionais ou estrangeiros e que conciliam as exigências de uma conservação e proteção do património natural com o exercício de uma atividade turística sustentável, através de uma aposta na redução gradual do tráfego e da limitação da presença humana na zona da Torre?

Por que não implementar uma rede intermunicipal de transportes públicos para um acesso mais sustentável ao maciço central, e, paralelamente, transformar as várias localidades que se encontram no sopé da montanha em verdadeiras “portas de entrada” da Serra da Estrela, promovendo o investimento e a criação de uma rede integrada de serviços de apoio – estacionamento, restauração, equipamentos turísticos, centros de acolhimento de visitantes, que contribuam para um desenvolvimento económico mais sustentável da região?

Numa altura em que também se encontra em preparação o “Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela, uma espécie de “plano marshall” que surgiu na sequência dos incêndios de 2022 e que elencará uma série de medidas assentes no desenvolvimento sustentável da região e na recuperação e revitalização do seu património natural, combatendo a perda demográfica e tornando o território mais resiliente às alterações climáticas, não fará sentido que tenhamos um plano conjunto e integrado que pense a Serra da Estrela como um todo, numa ação concertada entre municípios da CIMBSE e todos os agentes no terreno?

Até quando é que os interesses de grupos privados com práticas ambientais nefastas sobre este património natural se irão continuar a sobrepor ao interesse público?

Até quando vamos deixar que os erros do passado se perpetuem e se continue a “explorar massivamente” este território tão sensível pela sua geodiversidade e biodiversidade?

Da nossa parte, cidadãs e cidadãos preocupados com a destruição dos nossos valores naturais, vamos continuar alerta e disponíveis para colaborar na co-construção de soluções que zelem pela preservação deste património natural único e irrepetível, e que promovam a sua fruição responsável, de forma a assegurar que as gerações vindouras terão, como nós, a possibilidade de dele usufruir!

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O Movimento Estrela Viva é um grupo informal de cidadãos com ligações à Serra da Estrela e regiões limítrofes que surgiu após os incêndios de outubro de 2017, e que se afirma laico, apartidário e sem fins lucrativos. Tem a missão de proteger e valorizar o território através de ações de preservação da natureza e de desenvolvimento do meio rural (promoção de produtos endógenos, valorização das comunidades, preservação de valores e tradições), sustentadas em modelos colaborativos e de cooperação com parceiros locais, na capacitação dos cidadãos e segundo uma lógica de desenvolvimento sustentável.
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