Ocorreu ontem em Viseu a vigília “Há racismo e continua a matar!”, no seguimento do assassinato de Bruno Candé, que despoletou manifestações anti-racistas em vários pontos do país. Beja, Coimbra e Lisboa na sexta feira. Aveiro, Évora, Faro, Guimarães, Porto e Viseu no sábado.
Há racismo e continua a matar! [Manifesto]
No dia de 25 de julho, o ator português Bruno Candé Marques foi assassinado, de forma premeditada, em plena luz do dia, com quatro tiros à queima-roupa, na principal rua de Moscavide.
Bruno foi morto por ser negro, foi morto por viver num país que reflecte institucional e estruturalmente uma matriz racista, num país que se recusa a enfrentar o seu passado e o seu presente racista, num país que tolera, relativiza e normaliza práticas racistas, num país em que muitas pessoas continuam desavergonhadamente a afirmar que racismo não existe, apesar dos episódios constantes que demonstram o contrário, apesar das agressões e das vidas perdidas pelo perpetuar do factual racismo, que muitas pessoas, de forma conivente, negam.
O racismo matou de novo em 2020, ano em que passam precisamente 25 anos do assassinato de Alcino Monteiro, às mãos de neonazis. Também em Bragança, há menos de um ano, Luís Giovani Rodrigues foi assassinado com contornos duvidosos. Em Portugal há racismo e continua a matar!
A 25 de maio, os gritos de George Floyd ecoaram por todo o mundo, quando este gritava “I can’t breathe”, ao ser asfixiado por um agente policial, imagens que chocaram todas as pessoas que as viram. Não é a primeira vítima do racismo nos EUA atravessado de há séculos por uma postura racista e xenófoba.
Também nessa altura Portugal, incluindo Viseu, se manifestaram, resistindo às várias vozes que nos acusavam de imitação e de que no nosso país não havia racismo, por isso não eram necessárias manifestações anti-racistas. Infelizmente, a morte de Bruno Candé é a resposta para todas essas pessoas, negacionistas de algo que não só é uma realidade em Portugal, como um traço estrutural.
São inúmeros os casos de violência policial contra comunidades étnico-raciais ou imigrantes, como os abusos de que foram alvo jovens da Cova da Moura em custódia na esquadra de Alfragide, as agressões policiais no Bairro da Jamaica, e este ano, a agressão a Cláudia Simões, cujo único crime foi não ter consigo o passe da sua filha de 12 anos. Ou o bárbaro espancamento de um cidadão ucraniano por parte do SEF no aeroporto da Portela que lhe provocou a morte. São recorrentes as situações de discriminação em relação ao acesso à educação, habitação e emprego de comunidades consideradas como minoritárias.
O mito de que em Portugal não existem graves manifestações de racismo e xenofobia institucionalizadas, nomeadamente no interior de forças policiais perpétua esta violação dos direitos humanos. Apesar destes casos e do ex vice-presidente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP/PSP) admitir existir racismo dentro das forças policiais, um estudo da UC diz que em 10 anos não existem condenações por discriminação étnico-racial nesta área e que nas áreas de educação e habitação apenas três das queixas resultaram em condenações.
Não esqueçamos ainda que Portugal é o país onde, em plena Assembleia da República, um Deputado de extrema-direita não tem pudor de dizer a uma Deputada negra “para ir para a sua terra”. O mesmo discurso proferido pelo carrasco de Candé. Enquanto expressões como “preto/a vai para a tua terra”, “é preto/a, mas…”, “até tenho um amigo preto/a” ou “tanto aperto a mão a um branco como o pescoço a um preto” forem discurso corrente, naturalizado, desculpabilizado e arrumado para canto com “até é boa pessoa”, “foi sem intenção” ou “estava só a brincar”, o racismo continuará a matar.
Enquanto não se fizer uma reflexão profunda e descomplexada sobre a Guerra Colonial e a mentalidade racista e colonialista construída por ela, que ainda vinga nas mais diversas instituições da nossa sociedade, o racismo continuará a ser estrutural.
A Plataforma Já Marchavas enquanto um movimento de cidadãs/ãos e de coletivos unidos na defesa de direitos Humanos não pode manter-se em silêncio face a atentados racistas. Não basta sermos contra o racismo, é preciso repudiar de forma clara e inequívoca a violência racista.
Exigimos justiça por Bruno Candé, mas também por todas as vidas retiradas pelo racismo que ainda existe, sim, e mata!
Contra a Violência Racista e Xenófoba!
Ver também:
Manifestação “Há racismo e continua a matar!” em Viseu [Galeria]
O racismo existe e (ainda) mata.
Manifestação em Viseu: Há racismo e continua a matar!
A Plataforma Já Marchavas é um movimento de cidadãs/ãos e de colectivos unidos na defesa de direitos Humanos, Ambientais e Animais.
O projecto Já Marchavas nasceu em maio de 2018 em Viseu reunindo sinergias diversas. Ainda em 2018 o projecto Já Marchavas levou mais de mil pessoas a participar na 1a Marcha pelos Diretos LGBTI+ em Viseu, denominada por alguns como a Marcha do Amor. A Plataforma Já Marchavas surgiu no ambiente pós-marcha concretizando a cooperação do projecto inicial e dando-lhe continuidade para outras causas comuns. Em Dezembro a Plataforma passou a integrar a Rede 8 de Março.