25 de Abril: “não paramos de gritar este sonho, de lutar por ele, de o construir”

49 anos separam-nos d’AQUELE dia “inicial inteiro e limpo” (como escreve Sophia de Mello Breyner) em que tudo mudou, o dia a partir do qual a nossa história coletiva nunca mais seria a mesma, o dia que, em boa verdade, nos permite estar aqui – o dia 25 de Abril de 1974.

Esta é uma data carregada de importância simbólica, mas é mais do que isso: existe materializada no nosso quotidiano, enquanto um processo de transformação social que moldou e tornou possível o nosso presente. O 25 de Abril é a vitória da liberdade e da democracia contra o fascismo e a opressão. É o que permite sonhar e construir uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

No seu quadragésimo nono aniversário, é tempo de confirmar e reforçar Abril, de não permitir que a vida do cravo vermelho esmoreça, de não deixar que a memória do que representa se perca, perpetuando-a com as novas gerações, de combater todas as ameaças de retrocesso, pois nenhuma conquista é irreversível.

Hoje, as conquistas de Abril são ameaçadas com a inflação exacerbada muito além do limite do sustentável, com a perda do poder de compra e com a precariedade persistente e continuamente reinventada, realidades que criam e reforçam desigualdades. E Não há “liberdade a sério” (expressão cantada por Sérgio Godinho) enquanto tanta gente do nosso país continuar a sofrer desigualdade e exclusão social. As discriminações com base no género, na orientação sexual e nas características étnico-raciais, para nomear algumas, perpetuam estereótipos, promovem a desigualdade e limitam o acesso a direitos básicos que Abril nos deu. Manter vivo o espírito de Abril implica combater as desigualdades e a exclusão social, num exercício permanente de aprofundamento da democracia.

Não podemos esquecer o que veio com Abril: o fim da guerra e do colonialismo português (embora a descolonização esteja por terminar), a consagração na Constituição das liberdades e direitos democráticos, sociais e laborais conquistados no processo revolucionário, mais direitos de cidadania, o desenvolvimento do Estado Social, o direito à participação política, uma Educação democratizada, o Serviço Nacional de Saúde, o direito à habitação.

Sublinho: uma das conquistas de Abril foi o direito à habitação, consagrado no Artigo 65 da Constituição Portuguesa, hoje numa situação de fragilidade que representa uma ameaça à liberdade e à dignidade, pois este direito vai além de um telhado e quatro paredes. O direito à habitação não é apenas a garantia de um teto, se o teto estiver a cair ou infiltrado de humidade não é solução. O direito à habitação não é a criação de guetos para onde quem precisa de apoio social vai categorizado como uma espécie de pessoa de segunda. A habitação não é fazer depender as gerações futuras das casas dos pais numa situação a termo incerto. A habitação não é penhorar o futuro para conseguir pagar rendas e prestações que levam quase a totalidade do salário. A habitação não pode ser um jogo de forças entre os mercados e a vida das pessoas, a vida digna não se negoceia, a vida digna tem de vir sempre primeiro.

A habitação é a base, a estrutura, as paredes (literais e metafóricas) de uma sociedade estável, coesa, justa, mas também uma garantia essencial mínima de qualidade de vida. A habitação é dignidade, é liberdade e é ainda Abril por cumprir. Também por isso não podemos baixar os braços ou deixar de regar os cravos: para que a nossa sociedade se cumpra!

No poema Liberdade, Maria Teresa Horta diz que é

o nada
o seu princípio
e em seguida infinito

Liberdade libertada
de liberdade hasteada
sendo o sonhar
seu grito”

Não paramos de gritar este sonho, de lutar por ele, de o construir. Viva a Liberdade! Viva o 25 de Abril!

Discurso na Sessão Comemorativa do 49.º Aniversário do 25 de Abril, enquanto deputada do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Viseu

Carolina Gomes
Outros artigos deste autor >

Ativista. Formada em Antropologia. Deputada na Assembleia Municipal de Viseu pelo Bloco de Esquerda.

Related Posts

É bordar e receber?

“Bem-vindo à nova marca de Castelo Branco” – “Bordar e receber”. Assim rezam os placares que prolongam nas…
Skip to content