No momento em que estamos a passar por aquele que será um dos maiores desafios da humanidade durante a nossa vida, vendo-nos em confinamento, com as deslocações limitadas, com os hábitos sociais completamente desconstruídos e com os contextos profissionais quase sempre alterados drasticamente ou simplesmente parados, os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Viseu conseguiram não ser elemento de estabilidade, procedendo a um aumento que pode chegar a 43,87% do valor total da fatura.
Este aumento substancia-se na subida das “Tarifas de Disponibilidade” diárias correspondentes ao saneamento (de 0,0106€ para 0,1167€) e à água (0,1333€ para 0,1341€), e ainda no aparecimento de uma nova “Tarifa Variável de Saneamento” de 2,75€ mensais.
Casos estranhos com as Águas de Viseu não são, de resto, novidade. Relembro que em Julho de 2017, o Tribunal de Contas recusou a transformação dos serviços municipalizados em empresa municipal, alteração que o Bloco de Esquerda, na Assembleia Municipal de Viseu, votou contra, apontando que o modelo abria as portas à privatização do sistema de abastecimento público de água e saneamento.
Em setembro de 2017, os municípios de Viseu, Mangualde, Nelas, Penalva do Castelo, Sátão, São Pedro do Sul, Vila Nova de Paiva e Vouzela celebraram um acordo para a constituição de uma empresa intermunicipal, procurando novos caminhos para a privatização dos serviços de água e saneamento. Entretanto foi formalizada a decisão, pelos Municípios de Mangualde, Nelas e Penalva do Castelo, de não aderirem à Empresa Intermunicipal Águas de Viseu, ficando o processo em curso para a sua constituição inviabilizado.
Nesta altura, em comunicado, o Município de Viseu declarou não deixar de “procurar os meios e soluções que robusteçam a […] situação, e assegurem a sustentabilidade futura do […] sistema, através da realização de investimentos adicionais que permitam fornecer água aos Viseenses, mas também aos concelhos vizinhos, com qualidade e preço competitivo”. Recusando ainda no mesmo comunicado qualquer parceria “que possa implicar um aumento injustificado do preço da água em Viseu”. Pelos vistos para aumentos injustificados e inoportunos, que conseguem coincidir com pleno período de emergência pandémica e social, o Município de Viseu não precisa de parcerias.
Mas continuando nos casos estranhos relacionados com águas, eles não são mesmo de todo raros por estes lados. Existem episódios passados como a privatização das Águas do Planalto, que acabou por ter como consequência que Tondela, Santa Comba Dão, Carregal do Sal, Mortágua (no Distrito de Viseu) e Tábua (no distrito de Coimbra) tivessem das águas mais caras do país. Um problema que se foi arrastando entre jogos em contexto de campanha eleitoral e muito pouca consideração pelo que deveria ser óbvio: a água é um bem essencial, vital, que deve obrigatoriamente estar acessível a todas as pessoas!
Tendo isto em conta – água como bem essencial – devem ser tomadas medidas especialmente sensíveis que garantam que neste momento não falta água a ninguém. Nesse sentido, o Bloco de Esquerda, através do Plano de Emergência Autárquico enviado para os municípios do distrito de Viseu, pediu a isenção do pagamento destes serviços, algo que já está a ser feito noutros municípios, por exemplo no de Gouveia que decidiu isentar de pagamento os utilizadores que beneficiam da tarifa social e de um desconto de 50% os restantes.
Neste caso talvez Viseu seja exceção por ser a tão auto-aclamada melhor cidade para viver – até a água é um luxo!
Esta crónica foi publicada na Rádio Emissora das Beiras no dia 10 de Abril de 2020.
Ativista. Formada em Antropologia. Deputada na Assembleia Municipal de Viseu pelo Bloco de Esquerda.