Em agosto, mês por excelência das férias em Portugal, silly season na comunicação social – pela falta de acontecimentos que justifiquem notícia… Mas a verdade é que se tudo abranda, o ativismo não faz praia.
Embora as férias se proporcionem a trocar de sítio, a ir para outras paisagens, o planeta é o mesmo. Não há planeta B, as voltas continuam e com elas as injustiças sociais, as calamidades ambientais, os preconceitos e as desigualdades. Os problemas não param e a inquietude de quem é ativista por vocação não cessa. Porventura, mais tempo para refletir aprofunda as preocupações e a necessidade entranhada de fazer alguma coisa para mudar o mundo.
O que é o ativismo? Significa defender algo, defender uma causa. O ativismo privilegia a não conformação e transformação da realidade. O ativismo é fazer acontecer. Passar da teoria à prática, concretizar os ideais, ser, mais do que idealista, combatente, dar o corpo às balas… por vezes literalmente.
Não foi há muito tempo que saiu o relatório anual da organização internacional Global Witness, segundo o qual 164 pessoas perderam a sua via em 2018 devido ao seu ativismo. Isto significa que, em termos médios, é assassinado um ambientalista dia sim, dia não.
Em 2017 os números tinham sido ainda mais assombrosos, atingido os 201 assassínios, 57 só no Brasil que liderava a tabela. Este é o mesmo país de Marielle Franco, já tornada símbolo, sempre presente e lembrada nas lutas que também eram as suas. Depois de constantemente denunciar abusos de autoridade por parte de polícias contra quem deveriam proteger, foi baleada e assassinada a 14 de março de 2018.
É também no Brasil que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, depois de apelar à discriminação étnica, à violência, à xenofobia, à misoginia, à homofobia… e podíamos continuar, não esquecendo a promoção da desflorestação da amazónia em favor do agronegócio. Desflorestação que apenas num ano cresceu 278%. Assumido defensor da posse e comercialização de armas de fogo e munição, o que o tem travado neste aspeto tem sido o Parlamento, tem como guru Olavo de Carvalho, alguém que há dias publicou no Twitter um incentivo ao assassinato (“Tudo o que essa gente consegue produzir com palavras são chavões e macaquices. Para fazer essa porcaria funcionar, ainda que só um pouquinho, é preciso muito tempo, muito dinheiro e alguns assassinatos.”).
Em 2018 o triste pódio foi para outro país (Filipinas), mas encontram-se padrões nas explicações, embora sempre revoltantes e insuficientes, para o silenciamento de ativistas. Nas Filipinas o governo de Rodrigo Duterte tem sido acusado persistentemente de violações aos direitos humanos.
Quem morre procurando proteger a sua terra, a nossa Terra, as suas gentes e a Humanidade, morre assassinado por grupos de segurança privados, assassinos a soldo, forças do Estado. Governos que deveriam servir, por definição, para regrar e organizar a vida em sociedade, potenciado o desenvolvimento individual e coletivo, estão a ser máscaras de ódio e de atentados aos direitos humanos, instrumentalizando os seus recursos e sistemas como formas de opressão contra quem os questiona, contra quem não lhes convém.
Dados, notícias, retratos reais que nos chegam a toda a hora e que apenas podem ser descritos como revoltantes, dolorosos, repugnantes.
Irei de férias, consigo fazê-lo num ambiente de relativa descontração e segurança, mas levarei no meu pequeno coração de pequenina ativista sonhadora, a força, o orgulho, o obrigada por todas as pessoas que na defesa da vida acabam por perder a sua.
Ativista. Formada em Antropologia. Deputada na Assembleia Municipal de Viseu pelo Bloco de Esquerda.