“O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos interesses.”
Este é um excerto do Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago. É também uma acutilante descrição no papel assumido por muitos dos executivos camarários que nos são próximos. Tristemente, com demasiada facilidade se traça um paralelo entre as palavras de Saramago e o espírito dominante na política ‘cá do sítio’.
Os cargos políticos de eleição, são, infelizmente, mais vistos como trampolim para um qualquer outro interesse, como enriquecimento curricular, como requisito para abrilhantar o ego, quando a política, por definição, deveria servir os grupos sociais, as gentes, e não os egos e interesses individualistas de uns poucos.
É necessário, em ano de eleições autárquicas, questionar, repensar e propor novas formas de governação das autarquias locais, que numa excessiva quantidade de casos devem ser alteradas no sentido de uma maior democratização e transparência.
Sem grande novidade, mas para que fique registado, em pleno século XXI, na ‘era da comunicação’, ainda existem câmaras municipais que não disponibilizam as suas atas de forma acessível a qualquer pessoa; que recusam adotar meios fomentadores de uma maior transparência e abertura à sociedade, como a transmissão em direto das Assembleias Municipais; que editam “boletins municipais”, sem espaço para a oposição, que mais não são do que boletins de campanha eleitoral onde, por obséquio, não consta o emblema partidário.
Metodologias de funcionamento mais transparentes e acessíveis, são um dos caminhos que necessariamente têm de ser trilhados para prevenir e combater a corrupção legal mas também ética, dos que utilizam um cargo de representação e serviço público em prol de interesses que apenas servem a uma pequena amostra.
Acesso mais claro a concursos públicos, ajustes diretos, elaboração de planos e programas, candidaturas a fundos públicos, contratação de pessoal, por exemplo, é necessário, para uma vida política local mais envolvente, participada e democrática.
Informação ausente da esfera pública e acesso extremamente dificultado a documentação, são fatores, obviamente, favoráveis à corrupção, nomeadamente em processos de concursos públicos ou de contratação e que geram, legitimamente, descrença por parte da população.
O interesse público, a vida das pessoas, tem ficado refém de interesses pessoais demasiadas vezes. O favorecimento de certas empresas, o ignorar de certas ilegalidades, a decisão de certas adjudicações… Os poderes ocultos que movem a governação autárquica são o início da descredibilização e falta de confiança na política.
O combate à corrupção na esfera local tem de ser uma prioridade, restabelecendo o valor da democracia, o governo do povo, essencial à coesão, à igualdade e à dignidade de todas as pessoas.
Ativista. Formada em Antropologia. Deputada na Assembleia Municipal de Viseu pelo Bloco de Esquerda.