No debate entre a Mariana Mortágua e o Paulo Raimundo o líder do PCP soltou o desabafo de que o modelo competitivo subjacente aos debates não lhe interessava, que não era importante. Saber quem venceu ou perdeu um debate político nas televisões é uma treta; isto independentemente das considerações que tecamos sobre as qualidades retóricas e argumentativas dos respetivos candidatos. Para as forças de esquerda a tónica está no coletivo, e, também por isso, na inteligência coletiva que é a soma das inteligências individuais que dentro do seu movimento constroem o partido e, com este, o presente e o futuro. O líder, o dirigente, é apenas o estilo, a forma, o resultado dessa mesma manifestação coletiva dentro de um quadro democrático-representativo assente na competição entre os partidos. O líder é a mensagem. É certo que na sociedade do espetáculo a que todos estamos submetidos a escolha dos dirigentes, ou mesmo da casta política, é de suma relevância no quadro da feroz concorrência pelo eleitorado. O carisma, a capacidade argumentativa (mesmo se pejada de desvirtuações e de falsidades), a vocação oratória, o ethos (caráter), a aparência… tudo isso se torna relevante, até mesmo decisivo, pela razão de o eleitorado contemplar a democracia como uma espécie de supermercado onde vai “comprar” os pacotes oferecidos pelos candidatos/candidatas. Estes são como que vendedores; vendedores de ideologia, de programas, de modos de existir em conjunto, de formas de vida, de ilusões, utopias e promessas. E neste campo o arauto da extrema-direita corresponde na perfeição àquilo que a procura mediática demanda e o paradigma de relação entre governantes e governados exige. A sedução ou o fascínio pelo estilo de Ventura, pela sua agressividade oratória, é também o reflexo dessa espécie de sedução coletiva pelos mais fortes, pelos que são “esmagadores”, para os que deixam de rasto os seus adversários, pelos que dão “tareias”, pelos que triunfam, pelos que “dizem as verdades”. Um debate político é tal e qual uma arena de combate, apenas que retórica. A consolidação das democracias liberais é a consolidação do modelo da “pacífica” peleja argumentativa e retórica, o “combate de ideias”, que substitui a violência física, o esmagamento real dos adversários políticos. A guerra civil pela guerra permanente no parlamento. E se as democracias representativas substituem com eficácia a violência física por motivos políticos, de divergência entre conceções de mundo, pela troca argumentativa – por mais violenta que esta possa igualmente ser — nem por isso expurgam a razão de ser dessa mesma violência constitutiva. Neste aspeto o prazer pelo estilo agressivo de Ventura, por toda a sua performance enquanto candidato, é também o efeito da sedução pela virilidade que a nossa sociedade machista continua a reproduzir.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.