Face ao ascenso da extrema-direita fascista e neoliberal, Chega e IL, no que respeita ao espaço de disputa da direita tradicional, creio que se devia falar mais da força ou da potência política da solidariedade. É que se a esquerda se afirma politicamente como uma força de base, de solidariedade social, de fraternidade entre iguais (e todos e todas somos iguais), a partir da qual define o seu horizonte ideológico e constrói a sua alternativa diante do capitalismo vigente, o Chega e a IL são os inimigos políticos e respetivos destruidores dos laços sociais que se constituem por via da solidariedade. O Chega, na sua afirmação do ódio contra os imigrantes (melhor, no ódio contra os imigrantes pobres), é um partido que se alimenta pelo menos da restrição da solidariedade, restringindo-a, mesmo se apenas retoricamente, à “comunidade nacional”. O mesmo se aplicando, claro está, à solidariedade pela condição das mulheres ou pela autodeterminação sexual de todos e todas. Mas também a IL, elevando o mercado a forma de governo (ainda que essa elevação constitua uma operação inteiramente ideológica), assume que o egoísmo, expresso na concorrência de todos contra todos e na competição permanente, é a “virtude” antropológica por excelência que conduzirá, paradoxalmente, à prosperidade geral. Se em termos que retomamos de um Polanyi o Chega representa o “enraizamento” da sociedade diante do “desenraizamento” do mercado, tal só acontece por meio da glorificação do nacionalismo e excluindo os não-nacionais (mesmo se apenas os não-nacionais pobres que são a vasta maioria e formam o proletariado global). Já a IL, pretendendo soltar “as forças livres do mercado” das “amarras” do Estado (amarras estas que, na verdade, correspondem também, e de forma essencial, à sua função regulatória), defendendo, portanto, o desenraizamento da sociedade em prol do enraizamento do mercado, acaba por assumir (como efeito desejado ou não) o permanente desfazer de todos os laços sociais que precedem e sedimentam qualquer comunidade política e sua própria possibilidade ontológica.
A força política da solidariedade é aquela que não permite deixar ninguém de fora por pretexto da documentação, idioma ou da tez da pele de alguém; mas também a que se recusa ativamente a reduzir os outros a humanos que valem apenas pela sua função económica e a conformar-se com uma visão do mundo onde a desigualdade social e económica é encarada com naturalidade. A solidariedade é também essa potência política que age contra a ideologia do darwinismo social de que a meritocracia é uma das suas variações. Portanto, a solidariedade pode e deve ser muito mais do que uma vaga ideia moral resultante de um humanismo abstrato para se afirmar como uma expressão da vontade coletiva contra os que pretendem encerrar a humanidade nos seus casulos etno-nacionais ou fazer de cada homem o lobo do outro homem.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.