No dia 7 do presente mês o Município de Mangualde assinou um Acordo de Colaboração com o IHRU (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana), acordo esse inserido na Estratégia Local de Habitação do Município (ELH) e que pretende responder às carências habitacionais do concelho. Segundo o Município, este acordo contempla soluções de reabilitação, arrendamento e construção, entre 2022 e 2025, num investimento total de 10.604.528€.
O Bloco de Esquerda felicita este investimento em nosso entender crucial ao concelho e compromete-se a monitorizar a sua implantação no horizonte temporal que vai de 2022 a 2025.
Para frisarmos a importância deste acordo e da necessidade da sua melhor e mais eficaz execução nunca é de mais destacarmos que em Portugal apenas 2% do total da habitação é habitação pública e que o nosso país, segundo um estudo da Money, tem o nono maior rácio de rendas em todo o mundo, o que faz com que, em média, as famílias portuguesas gastem mais de metade dos seus rendimentos em renda (51,87%). De lembrar também que Portugal tem um grave problema estrutural com o aquecimento das suas casas que, na sua esmagadora maioria, não foram construídas tendo em conta o rigor dos invernos – e o impacto presente e futuro das alterações climáticas – e os custos com a energia têm igualmente um impacto brutal no orçamento médio das famílias. Segundo João Pedro Gouveia, investigador na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, as “contas da eletricidade e gás em Portugal foram respetivamente 12% e 28% superiores à média europeia”. Referindo-se ao edificado em si e à sua construção concluí o investigador que a questão habitacional em termos gerais “não vai funcionar com centenas de milhões de euros, [dado que] é um problema transversal à sociedade portuguesa. É um problema grande, com 70 ou 80% dos edifícios de má qualidade, com consequências grandes para as pessoas. [Assim] é preciso um programa a sério, ligado a objetivos que temos de neutralidade carbónica, de melhoria de eficiência energética. É preciso atuar”.
A estes problemas estruturais da habitação em si soma-se a forma desproporcionada como estes afetam populações racializadas como as de etnia cigana. Segundo o relatório do Comité Europeu de Direitos Sociais do Conselho da Europa “cerca de 37% de ciganos portugueses a viver em bairros de lata ou acampamentos, que podem ser encontrados em 70 municípios”. E ainda que “tenham existido realojamentos ao abrigo da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, há ainda um “número significativo” de famílias ciganas que não beneficiaram destes programas de realojamento, cerca de 20%”.
Por fim, e tendo por referência o exemplo da implantação do programa de arrendamento acessível na Quinta da Igreja em Mangualde, com rendas fixadas entre os 215 euros e os 287 euros dependendo da tipologia dos apartamentos (de T’2 a T’4), é preciso entender que se estas rendas são mais baixas em relação à média dos preços praticados no mercado privado de arrendamento nem por isso o são em relação à média de rendimentos auferidos pela parte mais economicamente desfavorecida do nosso país, da qual, segundo estudo da Portada, 9,5% do total da população empregada vive com rendimentos inferiores ao limiar da pobreza, isto é, inferiores a 540 euros mensais.
São portanto muitos os desafios que o Município de Mangualde enfrenta neste mandato no que respeita à habitação. Mas este acordo não deixa de ser também uma oportunidade única para o concelho se afirmar como pioneiro na materialização – constitucionalmente consagrada – da habitação digna para todos e todas. Para isso, no entendimento do Bloco de Esquerda, e no que se refere ao caso específico de Mangualde, importará ter em conta três pilares na implantação do acordo de habitação social: 1) que a sua execução não promova novas formas de segregação socio-espacial e racial baseadas no fato de o programa se dirigir a famílias mais desfavorecidas; 2) que as rendas a aplicar em programa de arrendamento acessível sejam de facto acessíveis à realidade económica dos agregados em causa e 3) que o investimento no edificado visado tenha também em conta as questões energéticas e a adaptação dos edifícios ao clima da região.
Concluindo, os mais de 10 milhões de euros para habitação pública são uma oportunidade única para o Município de Mangualde corrigir as ineficiências na implantação do programa de arrendamento acessível na Quinta da Igreja e para requalificar integralmente o bairro da Nossa Senhora do Castelo removendo o amianto presente nas habitações em causa.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.