O caso PSA, neoliberalismo em prática

Foto de Rádio Escuro | Facebook
A PSA-Mangualde é atualmente o exemplo paradigmático de um lugar de trabalho onde a democracia acaba à porta da empresa. A postura adotada pela administração depois da eleição de uma nova Comissão de Trabalhadores – menos dócil e afeta aos interesses da administração – tem simplesmente precipitado todos os conflitos sociais latentes. Desde que a nova CT lançou o pré-aviso de greve o nível de conflituosidade apenas se exacerbou ao ponto da administração se recusar a negociar com a CT a pretexto do vigorar da greve. Ora bem, a greve não é um componente negocial entre patrões e trabalhadores, não se negoceia a greve. A convocação de uma greve é o culminar de um processo que visa paralisar a produção essencialmente para provocar danos económicos ao empregador. A greve é o símbolo do poder dos trabalhadores, a demonstração prática desse poder. Por mais que a burguesia se esforce por fazer concluir o contrário, não há economia sem trabalho e trabalhadores, mas há economia sem capital e sem capitalistas.

Recuperar mecanismos democráticos, trazer para dentro das empresas, do contexto das relações laborais, processos e procedimentos democráticos, é, por um lado, dignificar o trabalho e o trabalhador, e, por outro lado, limitar o autoritarismo do empregador e a força opressora da hierarquia. Contra a divisão do trabalho, a hierarquização da vida laboral com os seus generais, tenentes e capitães do capital a resposta democrática, a transformação do trabalho morto, alienado, mecanizado, em trabalho vivo, isto é, inclusivo, criativo, participado.

Democratizar os contextos de trabalho é essencialmente lutar pelos direitos do trabalho. E não é possível lutar pelos direitos quando numa empresa como a PSA, com aproximadamente oitocentos trabalhadores, metade são precários, são trabalhadores em regime de outsourcing. É todo um quadro legal que as forças políticas progressistas têm de vencer fazendo refletir as suas medidas no Código de Trabalho.

A bolsa de horas é outro mecanismo introduzido no Código do Trabalho que apenas tem servido para desregular a regular semana de trabalho de quarenta horas. A bolsa de horas significa “flexibilização” do tempo de trabalho para o empregador e “desregulação” da semana de trabalho para o trabalhador. Soma-se que quando os trabalhadores prolongam a semana de trabalho para os fins-de-semana, por via da bolsa de horas as horas de trabalho suplementar não são remuneradas integralmente enquanto tais. Os trabalhadores trabalham mais horas sem que isso signifique ganhar realmente mais, dado que as horas de trabalho suplementar estão à mercê da bolsa de horas, que, por sua vez, está sob a tutela do empregador.

Mais do que o tempo de trabalho passar a estar inteiramente vinculado à produção (tanto que sempre que uma unidade de produção para por qualquer motivo esse tempo de paragem conta para a bolsa de horas), o tempo de trabalho deixa de estar vinculado à vida do trabalhador. Por via deste mecanismo diluem-se todas as fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer. Primeiro, o tempo deixa de estar vinculado à regularidade da produção, depois deixa de estar sobre o domínio do trabalhador. Lutar pelo tempo de trabalho é uma luta crucial neste tempo de outsourcing e de uberização da economia.

A troco da renegociação da bolsa de horas em 2016 a administração da PSA, em conluio com a antiga Comissão de Trabalhadores, fez aprovar um “acordo sobre prémio variável” que pretendeu fazer passar por um aumento salarial. Ora, os termos deste acordo na verdade condicionam quaisquer aumentos na remuneração à respetiva produção, o que não contraria – bem pelo contrário – o sentido da desigualdade na distribuição salarial entre os trabalhadores com salários mais baixos e aqueles que ocupam as estruturas de topo. Associando a aprovação dos novos termos da bolsa de horas (que foi rejeitada em votação pelos trabalhadores) a um prémio de produtividade, os trabalhadores e trabalhadoras são reconduzidos para essa realidade cinzenta taylorista e fordista do trabalhador remunerado à peça, somando a nova exploração neoliberal que se exerce sobre a totalidade do tempo do trabalhador, quer se encontre, quer não se encontre em contexto de trabalho.

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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