Algumas notas sobre os resultados eleitorais em Mangualde:
- A abstenção acima dos 40 por cento é a prova de que não apareceu ainda nenhum projeto político que pudesse mobilizar esta camada de eleitorado e que os partidos mais recentes – nomeadamente da extrema-direita – também não conseguiram chegar a esta parte da população. Talvez esta incapacidade já estrutural de trazer mais eleitores para dentro da discussão sobre o nosso futuro coletivo reflita todos os limites e aporias da nossa democracia atual, da forma como ela se organiza, e, principalmente, da forma como ela foi progressivamente alienando – por múltiplas e complexas razões – um número cada vez maior de potenciais eleitores;
- A maioria absoluta conseguida pelo PS em Mangualde – ainda que menos expressiva do que em 2017 – reflete também a incapacidade de qualquer das candidaturas que se apresentou a jogo de polarizarem para si o papel de opositor de que os descontentes pela governação socialista clamavam;
- O discurso do medo foi cavalgado pela candidatura oportunista do Chega que se apropriou de um sentimento vago de medo inculcado a quem se dispõe a fazer frente aos interesses instalados do PS e a quem depende economicamente da sua rede clientelar. Em Mangualde o medo abriu as portas ao ódio através do ressentimento e impotência da população diante de um partido não apenas institucional mas socialmente e economicamente hegemónico;
- A absorção do PS do voto útil à esquerda contra a ascensão do populismo da extrema-direita pode ser real, mas não é politicamente consequente. Basta pensar que durante todos estes anos de governação socialista as melhorias nas condições de vida no Bairro da Nossa Senhora do Castelo não avançaram um milímetro, contribuindo assim para o aprofundar dos preconceitos discriminatórios em relação a quem lá vive. Basta pensar também que o ascenso da extrema-direita se deve à erosão e desgaste do nosso regime que tiveram, ao longo da história da democracia, como principais protagonistas o PS e o PSD;
- A esquerda (BE e CDU) não foi também capaz de capitalizar o descontentamento, nem de comunicar com eficiência a importância das suas bandeiras para o desenvolvimento do concelho, e, de um modo lato, do Interior: nomeadamente a necessidade de investimento em serviços públicos de qualidade em todas as suas vertentes e de trabalho qualificado e com direitos. Assim, e em Mangualde, os votos da esquerda junta é inferior ao votos na extrema-direita;
- Da parte do Bloco de Esquerda mantém-se a convicção de que sem serviços públicos que garantam a sua vocação universal e equidade social e territorial não será possível estancar a sangria de recursos – de toda a ordem – do Interior para o Litoral, nem desenvolver o concelho com a garantia do bem-estar a quem cá vive. É nossa convicção que sem a inversão da erosão dos serviços e bens públicos no concelho – transportes, infraestruturas, saúde, habitação – e sem trabalho qualificado e com direitos que será inviável qualquer plano de atração e fixação de famílias no concelho de Mangualde;
- A forma como o PS foi alavancando a sua candidatura, nomeadamente centrando a sua atenção política nos interesses do tecido empresarial, não nos parece augurar nada de bom na inversão da tendência descrita no ponto acima. Se há lição a tirar para o Interior em geral, e para o concelho de Mangualde em particular, é que o livre funcionamento da economia de mercado não foi nem será capaz de responder, por si só, às carências estruturais do concelho. E que centrar as políticas públicas na criação de condições para as empresas se instalarem e se desenvolverem no concelho é necessário, mas não é suficiente.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.