Como podemos combater a extrema-direita sem combatermos o caciquismo?

“Quando a economia fica dependente do poder político e vice-versa isso tem por consequência, por um lado, a criação de castas, de caciques locais, e, por outro lado, o de tornar o acesso ao emprego, aos serviços, à hierarquia social em geral, fortemente condicionada pela conformação dos cidadãos e cidadãs à realidade politicamente instituída.”
Aperto de mãos

Os concelhos mais pequenos e de baixa densidade, e, por isso, mais dependentes economicamente do investimento empresarial privado, são mais permissíveis a fenómenos de caciquismo do que territórios com caraterísticas opostas a estas. A pequena dimensão destes concelhos faz com que a promiscuidade entre o poder político e a elite económica local seja mais visível e significativa ao ponto de, mais do que todos os agentes com influência se conhecerem mutuamente, as fronteiras entre as relações de interesse público e as relações privadas se tornarem indiscerníveis. Depois, por resultado desta mesma proximidade e promiscuidade, o poder político autárquico tem uma maior facilidade em movimentar a sua influência de forma a privilegiar este ou aquele, ou, em sentido inverso, a prejudicar este ou aquele, consoante os seus interesses pessoais e/ou de grupo. Quando a economia fica dependente do poder político e vice-versa isso tem por consequência, por um lado, a criação de castas, de caciques locais, e, por outro lado, o de tornar o acesso ao emprego, aos serviços, à hierarquia social em geral, fortemente condicionada pela conformação dos cidadãos e cidadãs à realidade politicamente instituída. A estratégia de comprar votos pela compra de influência e privilégio é contrária àquilo que entendemos por democracia, mas nem por isso deixa de ser a forma como o poder se consegue conservar no tempo e assim se consolidar e cristalizar. 

Essa revolta que explode nas franjas da sociedade marginalizada que não participa das esferas do poder político, mediático e económico, é o sintoma dessa entronização do poder de que a democracia deveria de servir como antídoto. A sedução pela extrema-direita como solução limite contra “o sistema” é tanto o resultado das escolhas políticas de um eleitorado protofascista, como a resposta ressentida contra as ilusões da democracia e da capacidade efetiva dos anónimos influenciarem o que quer que seja no que respeita à gestão da coisa pública. O que nos leva a concluir que alimentar os caciques do costume não serve em nada a luta pela democracia e contra o fascismo e a extrema-direita. Como dizia o personagem Raymond Tusk, da série norte-americana House of Cards, acerca do seu próprio país, há momentos em que a tensão política nas democracias liberais torna-se tão intensa, guerrilheira e feroz como a política no Irão.

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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