Um passo atrás, dois passos em frente

Roda dentada
Roda dentada

Depois do ciclo da gerigonça, quebrado pelo próprio PS em 2019, podemos sempre ajuizar sobre se nos separámos cedo ou tarde demais. Já o próprio ato de cisão política em si é politicamente natural. Não por razões de sectarismo, mas por profundas e irredutíveis razões políticas.

A “crise política” podia eventualmente ser adiada – bastava o PS ter disponibilidade para negociar a proposta de orçamento em causa – mas era politicamente inevitável, ou, pelo menos, e por profundas contradições políticas, acabaria por se tornar politicamente inevitável.

Os acordos políticos – de legislatura – que conduziram à “gerigonça” sob o mote de “destroikar” aquilo que a direita sob intervenção externa nos deixou, não podiam esconder as divergências políticas que separavam e que separam principalmente o BE e o PCP do PS. É que não é uma mera divergência estratégica ou táctica, é uma divergência política de fundo. São os interesses de classe a submergir.

Os partidos de esquerda nunca poderiam aceitar o terem de se rebaixar à condição de meros satélites do PS, quando isso feria de morte, não apenas a sua autonomia partidária e organizacional, como a sua autonomia política, os seus respectivos projetos e programas para a sociedade.

Prolongar a situação de legitimação do PS enquanto centro de gravitação da política e do poder nacional era aceitar a irreversibilidade e fatalidade do projeto neoliberal que a grande velocidade tem desfeito em farrapos o frágil contrato social que alimentou a reconstrução da europa nos pós-guerra e que serviu para, ao longo do tempo, promover a construção institucional da EU enquanto devedora do modelo “humanista” e conciliador de classes da social-democracia-

Por paradoxal que possa parecer onde agora a esquerda perde, mais tarde ganhará. Invertendo o título de um famoso livro de Lenine: “um passo atrás, dois passos em frente”. Independentemente da forma como analisemos os ganhos e as perdas com o chumbo deste orçamento, a fratura com o PS e com a gerigonça será sempre a condição necessária para a possibilidade de construção de uma mobilização popular de fundo em torno de um programa de esquerda “radical”, que vá à raiz dos problemas, e que possa superar as amarras e constrangimentos sociais, económicos e políticos no campo onde a terceira via e a social-democracia perdem sempre porque os interesses que visam são outros.

Porque se há coisa que estes seis anos de soluções governativas à esquerda nos ensinaram é que enquanto o PS e a direita estiverem no poder as relações laborais vão continuar a degradar-se, perdendo sempre para o capital, e o investimento público que aposta em serviços públicos de qualidade para todos e todas também não vai ter a resposta que é exigida pelos trabalhadores e trabalhadoras do nosso país.

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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