Se o capitalismo é a resposta à prosperidade económica e social das nações como se justifica a resistência de muitos trabalhadores e trabalhadoras em regressarem aos seus antigos postos de trabalho, nomeadamente àqueles que foram sendo perdidos ao longo da pandemia? Como compreender esta incapacidade de resposta do “mercado laboral” às necessidades das empresas de sectores como a restauração, a hotelaria, a agricultura e a construção civil? Como medir o impacto da crise pandémica no cansaço destes trabalhadores em relação às exigências laborais destes sectores? Porque é que o mercado, com a sua mão invisível, simplesmente não está a funcionar? Como compreender politicamente esta resistência da parte da classe trabalhadora e como reagir a ela de um ponto de vista anticapitalista?
Estas são algumas perguntas que podemos colocar diante deste fenómeno cada vez mais global de resistência ao trabalho sobre-explorado. Afinal sem a absoluta destituição económica de uma parte da sociedade, o proletariado, sem a depauperação geral dessa “massa”, os alicerces do capitalismo colapsam, ou, pelo menos, tremem.
Contrariamente à mistificação neoliberal, espiritualmente pró-empresarial e eticamente empreendedora, os trabalhadores não se submetem a rotinas de mutilação dos seus corpos, nem a chefias autoritárias e a ordens discricionárias, nem a horários de reclusão, nem a salários de subsistência e contratos a prazo, enfim, a condições laborais cada vez mais destituídas de direitos, apenas porque amam o capitalismo. Também não é por serem preguiçosos que cada vez mais se recusam a desempenhar certas tarefas e a aceitar certos empregos. A mão invisível do liberalismo de mercado, que submete também o fator trabalho às leis da procura e da oferta, tem afinal de contar com a vontade e a autonomia social dos trabalhadores. Os trabalhadores não contam apenas como uma variável abstrata ou um simples algoritmo no mercado liberal; não são meros peões num tabuleiro que os remete à passividade social e política. Os trabalhadores também contam enquanto sujeitos de carne e osso que podem e devem procurar alternativas económicas mais ou menos ambiciosas e que não passam por venderem a sua “força de trabalho” para serem novamente explorados até ao limite dos cada vez mais retalhados direitos conquistados com o sangue e suor dos seus progenitores.
Depois, se de facto o capitalismo é assim tão bom porque é que uma parte destes trabalhadores continua a preferir viver da economia informal, de subsídios estatais, de trabalhos sazonais ou part-time’s, ou simplesmente de ir gerindo o orçamento de um ou outro elemento do agregado familiar, do que voltar a ingressar a tempo inteiro nas roldanas da extração capitalista da mais-valia?
Do tanto que podemos aprender com esta crise de “falta de mão-de-obra” em tantas partes do mundo (desde os Estados Unidos, passando pelo Reino Unido até Espanha e Portugal) é que nas sociedades capitalistas o trabalho não dignifica nem realiza. Para os trabalhadores menos protegidos, menos pagos, mais explorados, mais precários, mais braçais, as “condições” que o mercado laboral lhes pode “oferecer” não compensa o carregarem nos ombros o fardo da realização fetichista do liberalismo económico pelos quadros das empresas, técnicos especializados, vendedores de unicórnios e outros membros da aristocracia laboral; quanto mais da burguesia, seja ela grande, média ou pequena.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.