O nobel atribuído a David Card pelos seus estudos sobre o impacto da subida do salário mínimo na hipotética destruição da economia deve ser um sapo duro de engolir à nossa direita e ao senso comum do patronato. Nem que seja pelo facto de agora o público ter a confirmação científica de que o argumentário que sustenta que o congelamento, e mesmo o corte nos custos de trabalho, é benéfico para a economia se resume a tretas! Não tem qualquer evidência científica. Pelos estudos empíricos realizados pelo economista com o seu colega Alan Krueger, afinal a subida do salário mínimo não implica necessariamente destruição de emprego, até podendo dar-se o contrário.
No fim de contas os argumentos da direita e dos patrões e seus ideólogos não têm qualquer respaldo científico. Na verdade, a disputa em torno do salário mínimo é sobre tudo menos sobre a economia. Ou, melhor, é exclusivamente sobre os interesses económicos da classe burguesa nacional. Porque o que está em causa é a luta da nossa classe empresarial pela sua subsistência económica numa estrutura produtiva muito baseada em baixo valor acrescentado. De uma economia estruturada sobre baixos salários, pouco qualificados e cada vez mais precarizados.
É que salvar as empresas, e, principalmente, os rendimentos dos patrões, pode não significar exatamente o mesmo que alavancar a economia quando o tecido empresarial é o primeiro e principal obstáculo para um crescimento sustentado e em convergência com a UE.
Entendamos pois que quando António Saraiva nos vem alertar para os riscos da subida do salário mínimo no que respeita a garantir a solvabilidade das empresas dos sectores de pouca produtividade, não está a defender a economia, bem pelo contrário, está antes a defender os interesses da classe que representa.
Da mesma forma que a direita quando sobe ao palanque para nos explicar que “ter um salário é melhor que não ter nenhum” também não nos está a dar lições de “realismo económico”. Bem pelo contrário, está é a encostar a faca ao pescoço dos trabalhadores.
É pois tempo de nos perguntarmos se temos uma classe empresarial à altura dos desafios da nossa economia ou se a resposta ao fado da crise permanente não estará nos trabalhadores organizados e soberanos do seu presente e futuro?
- Texto de uma crónica do respectivo autor na Rádio Emissora das Beiras
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.