Que riqueza para que mundo?

Num mundo que se divide historicamente entre ricos e pobres e que se define pela luta entre classes é consequente que a riqueza seja percebida como uma questão de classe e de acumulação da propriedade privada; que a riqueza represente o triunfo da desigualdade altiva e orgulhosa.

A riqueza, na nossa sociedade organizada em torno da propriedade privada, significa ascensão social de um estado socialmente inferior para um socialmente superior. À necessidade de exibição da riqueza corresponde a igual necessidade de demonstração material dessa ascensão, constituindo o chamado “novo-riquismo” uma forma exacerbada do vínculo entre ostentação e distinção social.

Ser rico é uma questão material, isto é, de exibição da propriedade acumulada, dos bens adquiridos. Daqui advém que o fenómeno da riqueza represente um triunfo individual, essa glória dos vencedores diante dos vencidos. Mas podemos ter uma experiência da riqueza que possa ser coletiva e não classista? Talvez se pudermos conceber um modo de vida comunista possamos conceber também esta experiência ou vivência coletiva da riqueza. Talvez porque não se trate de condenar a riqueza por si ou em si, mas de a coletivizar vivendo-a comunitariamente. A riqueza como fruição comunitária do mundo refletida tanto enquanto natureza, como enquanto produto do trabalho humano, como polis (cidade).

Nada mais subversivo às leis do capital do que a gratuitidade não apenas das coisas como do próprio mundo. E, no entanto, nada pode ser mais gratuito do que a existência não apenas de cada um de nós como do mundo como um todo. Não são concebíveis as razões económicas para o mundo existir e, entretanto, ele não cessa de se (auto)produzir. Se a propriedade é um roubo é porque ela procura subtrair da absoluta gratuitidade da produção ontológica do mundo formas de lucrar com ela, de expropriar a vida na sua imanência para sobre esta expropriação, ou “acumulação primitiva”, fundar as razões para a desigualdade desdobrada em sociedade de classes.

Talvez portanto nada mais alheio ao comunismo do que a resignação face à pobreza – – a “pobreza orgulhosa”. Nada mais distante ao comunismo do que a privação material e espiritual. Tudo o que seduz no apelo do comunismo é o acesso incondicional à riqueza do mundo que só pode ser conseguida pela alegre coletivização dessa mesma riqueza.

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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