Quem conseguir olhar com a devida distância para o congresso nacional do PS, isto é, quem não está intoxicado pela propaganda do partido socialista, quem não depende da sua esfera de influência e quem não foi ludibriado pelas artes do espetáculo do nosso primeiro-ministro, não pode deixar de esboçar um sorriso irónico diante da “agenda” do PS para a “dignificação do trabalho”. O desplante é tal que um dos principais partidos responsáveis pela desregulação do mercado de trabalho, pela proliferação das ETT’s (empresas de trabalho temporário) e pela precariedade como “modo de vida” é o mesmo que é capaz de afirmar sem se rir que é “essencial o combate à precariedade para a defesa da dignidade da pessoa humana”. Mas quem consegue engolir ainda esta dramatização, estas lágrimas de crocodilo, quando foi o PS que preferiu acabar com a “gerigonça” – rompendo as negociações com o Bloco de Esquerda – a reverter as alterações à legislação laboral do tempo da troika?
O PS é o exemplo acabado de um partido que pensando o mundo de pernas para o ar parece querer que as coisas se acabem por endireitar. A sua ação e discurso político ao nível local no contexto destas autárquicas apenas vem confirmar a distância entre aquilo que o partido apregoa e aquilo que o partido realmente faz. Pensemos apenas na contradição do PS em Mangualde que quer “fomentar uma participação ativa dos cidadãos” limitando-se a ouvir os empresários e os seus interesses.
Então e os trabalhadores e trabalhadoras? Então e os tais precários – nomeadamente os que proliferam pelo tecido industrial de Mangualde – que agora vêm poluir os sonhos rosa do chefe do partido? E ouvir os sindicatos e as comissões de trabalhadores?
Como pode afinal a lista candidata à Câmara de Mangualde pelo PS afirmar querer construir o concelho com todos quando o seu compromisso parece limitar-se ao compromisso com os seus empresários e os seus interesses, com aquilo que designa por “forças vivas” da sociedade? Como pode o PS levar avante a sua agenda contra a normalização da precariedade quando quem marca o passo e dita a pauta das relações laborais são os patrões com o beneplácito dos socialistas e da sua visão empresarial da vida em comum? Que garantia pode ter, por parte do PS, quem trabalha, quanto à dignificação e reconhecimento do seu contributo para o desenvolvimento do concelho, quando as vítimas dos abusos e da exploração laboral continuam invisíveis e quando um dos partidos do poder se limita a escancarar ao lobo as portas do galinheiro querendo ainda fazer crer que está comprometido com a dignificação do trabalho?
A política é feita de escolhas e quem escolhe ouvir apenas os patrões para construir e desenvolver o concelho é quem contradiz na prática os que escolhem ouvir quem todos os dias trabalha para produzir a riqueza do concelho tantas vezes a troco de um salário baixo e/ou de um contrato precário. Nenhum partido se pode assumir como sendo uma força de esquerda sem assumir o seu compromisso político fundamental com a classe trabalhadora. É deste lado da barricada que o Bloco de Esquerda está!
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.