Cá estamos e cá continuaremos!

Neste contexto de eleições autárquicas a vida dos concelhos torna-se caixa-de-ressonância da contenda partidária e política em geral. A política insinua-se através da propaganda expelida dos altifalantes dos carros que percorrem a cidade em círculos, do frenesim em volta do calendário político em contagem decrescente para o dia D das eleições, da procura incessante pela mobilização popular, da disputa pelo outdoor mais apelativo e da competição pelo melhor lugar de exposição, da secreta negociação entre interesses que se trata de conquistar, quando não de comprar – nem que seja simbolicamente –, nessa geometria impossível para fazer coincidir uma pluralidade de interesses particulares num projeto comum. Entre esse fervilhar de emoções, de argumentos, de propostas e de ideias próprias à festa da democracia e a feroz, e tantas vezes maquiavélica e implacável, guerra pela conquista do eleitorado e pela neutralização do adversário político, as autárquicas marcam um tempo particular na vida das cidades, vilas e aldeias – numa espécie de tempo suspenso na rotina da sociedade. Quando a luta pelo poder se sobrepõe a esse “fazer-a-cidade” é sempre a política que é corrompida, mesmo quando aparentemente existe consenso, especialmente quando existe esse consenso – ou, o que vai dar o mesmo, quando ele é manufaturado.

Mas o que fazer por detrás deste composto de simulacros, de jogos de sombras, de simulações e dissimulações, de marketing político? Deste jogo de subornos simbólicos e não tão simbólicos do social, nessa intrincada teia de dependências e de interesses conflituantes? Que processo político pode irromper por entre esta condensação da ideologia, da superficialidade na disputa entre os caminhos possíveis para os nossos concelhos, para as cidades que queremos cuidar e sobre as quais exigimos cuidado? Talvez a resposta às nossas inquietações resida no que conseguimos fazer quando o Poder não está a olhar para nós, quando “as forças vivas da sociedade” não se resumem a alimentar os interesses instalados nesse comércio da desigualdade e da promiscuidade, nem a fazer da política uma porta giratória para o mundo empresarial e vice-versa, nem a exercer o culto da personalidade e das artes rasteiras da adulação e da hipocrisia em relação aos mais poderosos e influentes, aos caciques, nem, quanto mais, a distorcer de tal forma a essência vital da cidade rebaixando-a à qualidade de uma mercadoria como outra qualquer. Os políticos do establishment são hoje os nossos vendilhões do templo.

O que é preciso é conquistar de novo o prazer pelo que nos é próximo, reconquistar essa soberania do lugar, da responsabilidade inerente àquilo que nos é vizinho e familiar, voltar a fazer das cidades territórios onde demoramos com os nossos sonhos, expectativas e projetos: onde podemos ser quem somos e queremos ser. Contra a cidade do êxodo e da alienação, a cidade da permanência e da participação. É todo um paradigma a mudar.

É preciso ir para além da retórica enfastiada de lugares-comuns, das fórmulas gastas, da corrida ao sound bite, da vertigem do calendário político, para voltarmos a fazer das nossas cidades lugares onde não somos meros sujeitos passivos à mercê das dinâmicas opacas de quem tem o poder e a influência. E se tudo se parece agora jogar nestas eleições autárquicas é porque tudo está por se fazer para além destas.

Da nossa parte, cá estamos e cá continuaremos.

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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